O Rei do Rock (há controversas) ganhou sua cinebiografia, algo que (infelizmente) chega para todos aqueles que deixaram um enorme legado (e polêmicas). Estrelado por Austin Butler e Tom Hanks, o filme Elvis cai na mesma armadilha de toda biografia de Hollywood: quando a coisa tem tudo para dar certo, é um trem desgovernado para o fracasso.
A carreira de Elvis Presley (Austin Butler) foi intensa, marcada por altos e baixos, rebeldia, polêmicas e um fim trágico dominado pela depressão e abuso de substâncias, tudo isso milimetricamente coordenado por Coronel Parker (Tom Hanks). O ex-empresário do astro, agora moribundo na cama de um hospital, começa a nos contar a história de ascensão e queda de Elvis passando por momentos icônicos de sua carreira.
Uma cinebiografia contada pelo ponto de vista do vilão da história tinha muito potencial, caso os 3 roteiristas bancassem a ideia, e não se perdessem no meio dela. Coronel Parker é um dos piores trabalhos de Tom Hanks (duro dizer isso, como fã declarada do ator) – e isso se deve a construção caricata de um estereótipo de criminoso da Europa Oriental. Da cama do hospital, o personagem conta como Elvis transformou sua vida, uma história tumultuada que nunca chega a ter qualquer nuance, mesmo sem conhecer os pormenores, o Pinguim do Batman com o texto de vilão da Disney na boca deixa explícito o trambique e a falta de empatia para com o astro.
Elvis era um negócio muito lucrativo, e a falta de escrúpulos de empresários não é nenhuma novidade no setor à época. Ele e sua família eram pessoas humildes do interior, é fácil entender como caíram na conversa do Coronel, principalmente quando tudo estava, de fato, dando certo. No entanto, essa relação nunca parece forte o bastante para permanecer inabalada, o filme carece de algum momento íntimo entre os dois, ou uma dificuldade genuína superada que faça a audiência entender a complexidade e profundidade do que os dois vivem.

O texto do filme falha constantemente em estabelecer qualquer tipo de laço emocional – a audiência não consegue se conectar com nada! A falta de recorte e de intenção nos leva a acompanhar anos da vida do astro sem que consigamos mensurar o peso das coisas na sua vida, e isso se deve a péssima escolha de colocar o Coronel para narrar uma história que nem sequer tem o seu ponto de vista (por que esse cara NARRA a história?).
Elvis não é protagonista do seu filme: não tem personalidade, não tem autonomia e soa como um branco privilegiado que não banca as próprias decisões sob um olhar de coitado – e ninguém quer ser um coitado da sua própria história (!). A sensação é que, após 2 horas e meia, não sabemos quem Elvis era de verdade, o que ele pensa, o que sentia e o que o motivava: tudo é um grande show vazio e não tem como isso ser honroso ao seu legado.
O pessoal do design de produção parecia os únicos preocupados em encher a história de significado, sendo o grande destaque do filme: figurino, maquiagem e os detalhes de cada cenário são impecáveis. A fotografia, quando nos remete à época, também encanta muito, mas a montagem passa por cima de tudo e abusa demais de transações enfeitadas, nos arranca dessa imersão e joga no limbo do espetáculo vazio de novo.

É difícil entender o que Baz Luhrmann queria com tudo isso, provando que a ausência de uma boa direção compromete o excelente trabalho de cada pessoa empenhada na equipe. Elvis carece de intenção, de propósito e, tal qual o próprio cantor, se perde na grandeza das coisas. Os recortes são tão específicos e milimétricos, que vemos Elvis compor, construir Graceland, se casar com Priscilla, se reconstruir e se afundar de forma plana.
A atuação de Austin Butler (ex- Carrie, The Diaries <3) é competente, principalmente porque o ator não tem muito com que trabalhar quando o assunto é nuances emocionais – não conhecemos. Elvis deve ser o protagonista que menos fala na sua própria cinebiografia, mas, quando se expressa pela música, cria momentos marcantes que remetem a irreverência do astro.
Esta última característica, sim, algo que gostaria de ter conhecido mais. Elvis acerta em trazer para o centro as referência da black music nas quais o cantor tanto se inspirou – cujo filme insinua terem sido apagadas pela mídia, e não pelo artista. O longa mostra as preocupações de Elvis Presley com questões sociais e não ignora todo o contexto geopolítica que cercava sua carreira, porém é difícil entender o quanto isso de fato fazia parte de suas crenças.

Além de replicar cenas icônicas do astro, outro clichê desgastado que o filme utiliza como um recurso pobre para exaltar sua adoração é: fãs histéricas. Baz Lurhmann parece achar engraçadinho colocar um monte de mulher gritando por um homem e jogando calcinha nele, mas convenientemente esquece de colocá-las no centro do sucesso do astro. A mãe de Elvis parecia uma mulher carente e controladora (estereótipo pobre de dona de casa da época), e Priscilla (Olivia DeJonge) é um rostinho bonito, compreensível e mudo (não combina com a personalidade que conhecemos hoje). Ao final, o filme tem a pachorra de dizer que na certidão de óbito do Elvis tá escrito: AMOR DE FÃ (o ego dele era problema dele).
A tragédia final evidencia o quão longe o filme de fato estava da pessoa Elvis Presley – uma solidão caricata e clichê, preenchida de compaixão arrogante. Com uma mensagem truncada cuja intenção se perdeu no meio do grande espetáculo vazio, Elvis mostra que é fácil usarem sua alma para ganhar dinheiro, mas difícil mesmo é enxergar a pessoa por trás do artista – o filme, como o Coronel, nutrem esse aspecto em comum.

Veredito
A história de uma pessoa não é apenas um amontoado de acontecimentos, e Elvis parece não entender isso: recheado de bullet points, assistir Elvis é tão impessoal quanto ler sua página no wikipedia. Visualmente lindo, Elvis conta com uma equipe incrível de design de produção, figurino e maquiagem, mas que sobram diante de uma história tão vazia que jamais se preocupou em entender a pessoa por trás dos holofotes. Difícil entender a intenção de Baz Luhrmann, que nunca acerta o tom dos personagens e falha em criar nuance, emoção ou empatia. O que matou Elvis não foi o amor, mas a falta dele – assim como esse filme falha em homenageá-lo.
