O Pálido Olho Azul perde todo seu charme ao não mostrar o verdadeiro mistério da trama

Edgar Allan Poe virou um personagem do seu próprio universo no mistério sombrio de Scott Cooper! Apesar de criar a atmosfera preferida do autor de forma perfeita, com elementos sobrenaturais e referências que brincam com sua biografia, o filme escorrega ao conduzir a história e desperdiça um enredo cheio de potencial ao não saber como executar um plano mirabolante.

Detetive Landor (Christian Bale) não tem tempo de assimilar o desaparecimento da filha quando é chamado para um trabalho na Academia Militar, o jovem Cadete Fry morreu sob circunstâncias suspeitas: foi enforcado, mas levaram seu coração embora. Assassinato ou suicídio? O terror do ato assusta o Superintendente Thayer (Timothy Spall) e o Capitão Hitchcock (Simon McBurney) que, precisam resolver o mistério para baixar os ânimos – e as cobranças externas.

Preenchido com mais mistérios do que o crime em questão, Landor é uma figura enigmática: não tão excêntrico quanto o arquétipo sugere, porém carregado por uma áurea sombria e emocionalmente esgotada – insinuando certo desinteresse pela resolução do caso em questão, até a se aproximar do jovem cadete, Edgar Allan Poe (Harry Melling).

Personificação do clássico autor romântico estadunidense, Poe entrou para o exército norte-americano em 1830 e, apesar de nutrir profundo desprezo pela instituição, se alistou porque, gente como a gente, precisava de dinheiro – já que ser poeta ainda não lhe pagava as contas. O ponto mais divertido do filme, é curioso observar o autor dentro de uma história que poderia ter escrito, a atmosfera e a natureza de todo mistério são referências diretas ao seu trabalho.

E isso é o que Scott Cooper faz de melhor! A fotografia e o design de produção são impecáveis e preenchem os detalhes desse mistério, criando uma atmosfera perfeita que remete ao romantismo denso, dramático e pessimista da época. O tom de azul frio e as fortes sombras brincam com a presença de algo sobrenatural, da ausência de conforto ou acalento. Visualmente, tudo caminha na mais perfeita harmônia, mas quando isso não encontra respaldo do roteiro, a obra começa a ruir.

Divulgação – O Pálido Olho Azul, original Netflix

O Pálido Olho Azul desenhou um enredo incrível que se perdeu na apatia da sua trama. Landor claramente estava desinteressado no caso, com o corpo mais mole do que o cadáver que acompanhava na autópsia – motivo suficiente para deixar a audiência ainda mais intrigada sobre o personagem e o mistério. Não temos pistas, apenas fatos soprados ao vento que, eventualmente, se apresentam como cliques divinos nos personagens – a audiência não consegue participar desse mistério.

Caminhamos em círculo, cheios de suspeitas rasas que forçam o filme, no seus instantes finais, a explicar tudo que escondeu tão bem na trama que absolutamente ninguém conseguiu ver. Frustrante acompanhar não apenas 1, mas 2 monólogos onde os personagens nos explicam os mistérios em detalhes – subestimando o público com uma pomposa arrogância.

O pior disso tudo: a história era muito boa e, se o roteiro tivesse conseguido mostrar esse mistério para a gente ao invés de explicar a piada no final, o filme seria impecável!

Divulgação – O Pálido Olho Azul com Christian Bale e Harry Meilling

Toda essa frustração se torna ainda maior com um elenco que entrega muito em tela: Gillian Anderson rouba a cena como Mrs. Julia Marquis, uma senhora complicada do interior, e ousa trazer para a discussão (mesmo que de forma superficial) a questão das bruxas (machismo) com sua filha, interpretada pela Lucy Boynton. O tema feminino paira sobre o lugar delicado de, ainda que almeje “denunciar” o machismo que ronda a história, é dissertado sobre o ponto de vista do homem que não consegue de fato fugir das convenções sexistas do tema.

O Pálido Olho Azul é instigante, tem personalidade, estética coesa e um elenco excelente – mas insuficientes para executar essa história da forma como ela merecia. O corvo, o flerte com o sobrenatural, a sombra da morte e até o próprio Egdar Allan Poe estão lá, mas falta saber transformar esses elementos em ferramentas narrativas eficazes. Apesar de nos manter envolvidos até o final e ser, de fato, uma baita direção, o diálogo final nos faz desejar que fosse nosso coração arrancado, ao invés do jovem Fry.

Divulgação – O Pálido Olho Azul com Toby Jone e Gillian Anderson

Veredito

O que sobra de um mistério quando tiramos o enredo dele? O Pálido Olho Azul cria a estética perfeita para o poeta Edgar Allan Poe que, ao lado do detetive da cidade, investiga um caso de assassinato que flerta com o sobrenatural. Harry Melling personifica o autor romântico com maestria e entrega uma de suas melhores performances, junto com o sempre on point Christian Bale. Apesar da excelente direção, fotografia deslumbrante e sinuosa e um design de produção sofisticado, O Pálido Olho Azul desperdiça suas qualidades ao entregar um mistério morno que culmina em uma dissertação, ao invés de resolução competente – afinal, um filme que precisa se explicar perdeu o charme pelo caminho.

Avaliação: 3 de 5.
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