Glass Onion: mistério ácido consolida Rian Johnson no gênero suspense cômico

Atrás do mistério satírico e engenhoso, Rian Johnson expõe a questão de gente rica: dinheiro e mau-caratismo – o charme de uma boa história desprezível! De volta ao papel de Detetive Benoit Blanc, Daniel Craig tem um novo assassinato a ser desvendado, cheio de suspeitos e motivações – porém, como no sucesso anterior, Entre Facas e Segredos, o mais legal dessa história é a denuncia social sarcástica descarada que o cineasta coloca nas entrelinhas, de forma ácida e divertida.

Um bilionário megalomaníaco cheio de enigmas autocentrado convida seus amigos – eclético grupo de gente rica, bem sucedida e de caráter duvidoso, a passar um fim de semana na sua ilha privativa na Grécia. Primeiro red flag: pessoa rica que vive isolada na sua ilha particular auto-sustentável não tem como ser boa coisa, né? Para completar, ele lança o desafio, adivinhar o seu assassino.

No entanto, todo o mistério cafona dos amigos encontra um obstáculo inusitado: o Detetive Benoit Blanc e a ex-amigas de todos eles, Andi Brand! Em Glass Onion, Rian Johnson repete a fórmula de Knives Out de um jeito pouco previsível: elenco estrelado a vontade no papel, roteiro truqueiro e muitas críticas a alta sociedade, dessa vez apelando para um viés mais cômico do que dramático – só que sem jamais emular o filme anterior. Temos uma história original, nova e que não cai em lugares comuns ou previsibilidade com a outra obra do autor, a única linha comum é o Detetive cheio de personalidade interpretado de maneira singular por Daniel Craig.

Em Glass Onion, os personagens são caricaturas bem trabalhadas, Rian Johnson consegue criar estereótipos que ultrapassam a difícil barreira do tédio ou do vazio: é um exagero que se traduz para a vida real (para o nosso azar). Os detalhes extrapolam, e podemos ver isso logo nas primeiras cenas, onde cada convidado aparece com a sua máscara e o seu jeito singular de lidar com a pandemia (não acabou), (mas os ricos sempre deram um jeito de burlar a pandemia, não é verdade?).

Ao conhecermos Miles Bron (vivido de forma assustadoramente autoral por Edward Norton,) e todo o império que ele construiu, é impossível não associá-lo a Elon Musk, paralelo que vai se desenhando cada vez mais ao longo da história (risos). E, assim como tudo que parece genial a primeira vista, ao aprofundarmos a investigação junto a Blanc percebemos que estamos afundando numa lama sem fim. Rian Johnson acerta em fazer a audiência entender a motivação de cada personagem, sem jamais passar um pano sequer ou despertar a menor empatia pela posição de cada um, ele deixa tudo bem claro: esse pessoal é farinha do mesmo saco.

Apesar disso, Glass Onion vive uma contradição: ao mesmo tempo que demora um pouco a engrenar no mistério, parece faltar tempo ou especificidade para explorar seus personagens. Lionel Toussaint e Claire Debella, interpretados pelos maravilhosos Leslie Odom Jr. e Kathryn Hahn, são apenas ecos do enredo principal, eles fazem um volume, mas jamais ganham a atenção da história ou entram de verdade no jogo – sempre rondam com um ar de promessa que não se concretiza.

Divulgação – Glass Onion uma história Knives Out por Rian Johnson

Em contrapartida, Janelle Monáe brilha em cena e conduz toda a trama sentimental de Glass Onion, ela é o ponto de contraste perfeito e o segundo fôlego que o filme precisava, protagonizando uma das cenas mais divertidas do longa, com uma química impecável com Daniel Craig. Revisitar Blanc é um espetáculo a parte, Daniel Craig vive um personagem que já é maior que a obra individual, trazendo de volta o tropo de detetive excêntrico que sempre encontra um espaço no imaginário popular.

Além das excelentes atuações, Rian Johnson aposta nos detalhes em cena, nos enquadramentos cômicos que sempre revelam um segredo a mais. O filme brinca com seu próprio nome e descasca uma reviravolta atrás da outra, até chegar no cerne da questão – porém se tratando de uma cebola ÁCIDA como essa, faltou forçar umas lágrimas na audiência. Apesar da história engenhosa e mirabolante, Johnson nunca deixa a audiência ausente do que está acontecendo, as peças vão aparecendo aos poucos, e estão sempre camufladas nas entrelinhas, nos olhares e até nos cortes da edição rápida, sagaz e precisa do filme.

Todas piadas, estereótipos e mistérios contém uma história que espelha a realidade de um mundo dominado por gente incompetente, mau-caráter e vendida, mas que rende boas risadas quando confrontadas por Benoit Blanc! Glass Onion é um filme visualmente bonito, ironicamente cafona e muito divertido! Rian Johnson cresce como um dos melhores roteirista atuais, conseguindo de forma autentica fazer comédia e mistério funcionarem juntas em igual medida!

Não é nada disruptivo, graças a Deus!

Divulgação – Daniel Craig repete o papel de Benoit Blanc em Glass Onion da Netflix

Veredito

Seguindo o sucesso de Entre Facas e Segredos, Rian Johnson traz o Detetive Benoit Blanc para resolver um novo mistério: o assassinato de um famoso e afortunado gênio disruptivo. Glass Onion é um divertido e instigante mistério, com uma dose a mais de comédia e sarcasmo. Rian Johnson aposta na fórmula, mas sem cair na repetição e previsibilidade. Com elenco estrelado e uma produção impecável, o cineasta vence o desafio e mantém o nível da, agora, antologia de filmes, com pequenos deslizes durante as longas 2h20 de filme. Daniel Craig está de volta ao papel original e incrível de Benoit Blanc, já um ícone da cultura pop contemporânea. Com uma produção incrível, cortes precisos e um texto inteligente e ácido, Rian Johnson mostra que sabe escrever um mistério “quem matou fulano” como ninguém.

Avaliação: 4 de 5.
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