Garotas adolescentes e possessões demoníacas são um combo antigo, e o cinema de horror decidiu que é hora de subverter essa misogenia barata! O Exorcismo da Minha Melhor Amiga mistura pouco terror, muita nojeira e a sempre gostosinha atmosfera dos anos 1980 em uma das provas mais difíceis de amizade verdadeira: derrotar um demônio (patriarcado). Recheado de boas ideias, o filme erra ao temer explorar suas próprias propostas sombrias.
Ser adolescente já é um filme de terror particular, mas para Abby (Elsie Fisher) ele está prestes a piorar: sua melhor amiga, Gretchen (Amiah Miller), vai mudar de estado no verão, e a ideia de aproveitar ao máximo uma a outra é interrompida por um demônio. O Exorcismo da Minha Melhor Amiga é o horror que o John Hugues não fez e nem poderia, porque suas histórias são essencialmente machistas rs, as personagens são esquisitas no ponto certo, interessantes e divertidas sem serem caricatas e irrealistas. É como se pegasse o melhor dos clássicos do diretor e desconstruísse essencialmente suas ideias datadas.
Abby e Gretchen são completamente diferentes, o que enriquece a dinâmica da amizades das duas. Abby é de uma família pobre, judaica não-praticante, sofre com seu corpo adolescente e cheio de espinhas na escola em que é bolsista. Já Gretchen é de uma família rica, super religiosa, e tem todo o perfil de garota popular da época, mas não o é, escolhe andar com Abby. A conexão das duas é maior do que as revistas adolescentes da época entendem como amizade – o que não é muita coisa, logo o grupo de amigas percebe. Apesar do grupo de amiga contar com Margaret e Glee, com quem trocam algumas farpas, fica claro que o laço mais forte é entre Abby e Gretchen – e a química desengonçada das atrizes ajuda a dar esse ar genuinamente adolescente.
O Exorcismo da Minha Melhor Amiga segue a risca o checklist de “terror dos anos ‘80s”: garotas sozinhas em uma casa de madeira no meio da floresta, mexendo com coisas que não deveriam, entram em lugares claramente mal-assombrados e, enfim, acabando com um demônio no corpo. Os clichês flutuam entre a homenagem e a crítica de conceitos misóginos difundido pelo conservadorismo: meninas adolescentes que desviam do rigoroso modelo comportamental estão, obviamente, possuídas por alguma entidade demoníaca.
No caso, Gretchen está possuída e não demora para Abby perceber que há algo errado com sua amiga. Além da grosseria, do fedor e da apatia, o vômito copioso na cara do namorado de uma amiga é uma ótima dica de algo não vai bem, porém, é quando os levantadores de peso cristãos vão dar uma palestra na escola que Abby percebe o elemento sobrenatural da coisa: Gretchen praticamente rosna e se contorce para a cruz, enquanto um dos homens olha para ela como se tivesse visto, bem, um demônio.
Gretchen some uns dias, e aqui começa alguns dos problema. A direção de Damon Thomas não consegue fazer transições de maneira gradual e perceptível, são bruscas e só percebemos quando as personagens verbalizam. O roteiro de Jenna Lamia é excelente em manter o foco na amizade feminina de um jeito saudável e leal, mas junto com Damon, demonstra receio em entrar no lado sombrio dos temas que eles mesmos propõem. Além disso, como ambos tem experiência com séries e fazem aqui sua estreia com longa-metragem, a questão do tempo e ritmo é claramente o ponto fraco, se tornando o calcanhar de aquiles da produção.

O Exorcismo da Minha Melhor Amiga aborda assuntos importantes dentro do universo de garotas adolescentes, porém a falta de encarar esses demônio de frente faz com que seja superficial. Expõe a questão, faz a critica, mas não resolve, não aprofunda, o que em alguns casos pode ser um problema! A forma como Grady Hendrix, autor do best-seller homônimo cujo filme foi adaptado, utiliza o horror e a possessão demoníaca para denunciar a forma como essas questões são abordadas com meninas é genial, satírica e ácida, porém o filme não consegue traduzir isso da mesma forma. Quando a história pedia mais horror, entregavam alívio cômico e largavam o assunto para trás.
Ainda bem que o Exorcismo da Minha Melhor Amiga conta com um elenco excelente que consegue amenizar essas questões! O trabalho de corpo de Amiah Miller faz todo fã de terror trash vibrar: a garota se contorce perfeitamente nos momentos de possessão, e junto a maquiagem entrega nojo, mau-estar e carisma na mesma medida. Outro destaque é Christopher Lowell (saudades Glow), ele tem um tempo incrível para comédia, se encaixa super bem nessa vibe anos ’80s, e centraliza em si a figura do homem padrão pateta de pouca utilidade proposta pelo enredo.
De verme saindo da boca de adolescente, episódios de vômitos intensos e um demônio pequeno e pateta, os efeitos práticos acendem ainda mais a nostalgia de filmes de terror da década 1980. Toda a atmosfera é impecável, o visual, as cores saturadas e a atmosfera que flerta com Evil Dead de Sam Raimi são uma homagem ao gênero. Aqui, Damon Thomas brilha muito e consegue trazer os anos 1980 sem ser pedante e jogar mil referências da época que não são para o público-alvo.

Em uma cultura engajada em colocar garotas uma contra as outras, o Exorcismo da Minha Melhor Amiga evidencia que a amizade é muito mais forte do que esse mal (patriarcado) que come o cérebro das meninas – um demônio perverso na cabeça, aqui literalmente. O conservadorismo moral adoece, machuca e isola garotas e esse é o verdadeiro horror das histórias, a insegurança que se manifesta em frases que ressoam na cabeça: você não é magra suficiente, você não é heterossexual, você tem a pele nojenta. Infelizmente, a mensagem se perde no tom divertido e muitas discussões importantes ficam sem rumo, como a autoflagelação, distúrbio alimentar, e orientação sexual.
O Exorcismo da Minha Melhor Amiga deixa algumas dicas muito importantes para adolescentes: andem sempre com um Dramin na bolsinha e nunca aceitem dicas de emagrecimento que dizem ser da Escandinávia (beijo, Regina George). A trilha sonora inclui sucessos como Tiffany, A-ha, Blondie e Culture Club – particularmente não conhecia casos de crush romântico no Boy George, mas entendo o poder que Karma Chameleon tem de expulsar um demônio do corpo. Um bom acréscimo no hall de “terror feminista”, a influência de Garota Infernal é clara e mesmo que este não tenha o impacto do clássico contemporâneo, é divertido, quentinho no coração e nojento na medida para empolgar uma noite das garotas!

Veredito!
Garotas adolescentes estão constantemente sendo possuídas, e o nome verdadeiro do demônio é misogenia! Adaptado do divertido livro de mesmo nome, o Exorcismo da Minha Melhor Amiga é um terror de verão: brando, fofo e nojento que nos deixa um quentinho no coração e exalta o poder da amizade entre garotas! A direção de Damon Thomes é eficiente e traz inúmeras homenagens aos clássicos trash da década de 1980 sem ser pedante e excessivamente nostálgico. Apesar da ótima ideia em usar o terror para denunciar os horrores psicológicos que adolescentes passam, o roteiro de Jenna Lamia teme em se aprofundar nas questões importantes e erra ao não sair do superficial. Com excelentes atuações, o Exorcismo da Minha Melhor Amiga poderia ser mais, porém é suficientemente bom para divertir as cinenights adolescentes!
