Quantos anos vivemos em um dia? Mrs. Dalloway é um romance sobre como o passado e o futuro sempre se encontram no nosso presente, por que o tempo e os sentimentos particulares funcionam de uma forma diferente na mente de cada um. Em uma história confusa e repleta de críticas, Virginia Woolf descreve sua experiência, ironias e impressões sobre a alta sociedade britânica de um jeito triste e fascinante.
Já leu algum livro da Virginia Woolf?

Clarissa Dalloway vai dar um grande jantar para “sociedade britânica”. No entanto, seu dia começa enevoado de lembranças e sensações do passado, que se intensificam com a visita inesperada de Peter Walsh, com quem, quando mais jovem, compartilhou um intenso amor não manisfestado. Há décadas sem ver Clarrisa, Walsh volta a Londres após uma longa temporada na Índia, e passa o dia relembrando seus dias de juventude e procurando entender seus sentimentos, enquanto decide se vai ou não ao jantar.
Sentado no parque, Peter Walsh observa um casal perculiar, Septimus Warren Smith e sua esposa italiana, Lucrezia. Septimus é um homem atordoado pelos traumas vividos na Guerra, apático com o mundo, negligenciado pela medicina e que está decidido a cometer suicídio.
Essa história se passa em um dia, sob o cenário londrino entre guerras. Porém, vivemos anos imersos na história dos personagens, que se perdem em suas memórias, sentimentos e, por que não, alguns arrependimentos e decisões questionáveis (o dia-a-dia de alguém ansioser, né?). Além disso, observamos o desdém, as críticas e a sensibilidade de Virginia Woolf, que divide muito da sua vida e percepções com seus personagens.

Alguns temas recorrentes nas obras da autora são saúde mental, feminismo e sexualidade, e se Virginia Woolf iria fazer grande sucesso nos dias de hoje, na década de 1920 não foi exatamente este o caso. A escritora enfrentou duras críticas quando publicou o conturbado Mrs. Dalloway, principalmente devido ao estilo de escrita do romance: narrado em forma de fluxo de consciência (e por que era mulher, óbvio). Fluxo de consciência são aquelas histórias que se confundem com pensamentos, ou seja, é como se estivéssemos dentro da mente dos personagens onde existem várias coisas e julgamentos acontecendo ao mesmo tempo – o que torna o processo da leitura denso e, por vezes, confuso.
Clarissa Dalloway é uma mulher fascinante e detestável ao mesmo tempo – ela quer ser aceita pela alta sociedade, é uma verdadeira dama, elegante, simpática e cheia de vida, porém, por dentro alimenta seus “e se” da juventude, se sente sozinha, vazia e sua vida parece um tanto quanto sem sentido. É fácil perceber que a Clarissa de fora, principalmente a que conhecemos pelas descrições de Peter Walsh, não condiz com a Clarissa de dentro, a qual conhecemos intimamente pelos seus pensamentos.

No livro, Virginia Woolf debate bastante este contra-ponto da personagem, que simboliza as mulheres ricas da época: sua vitalidade, sua ousadia, seus pensamentos, inteligência, talentos, desejos são apagados com o tempo, com a demanda por fazer um bom casamento e se tornar apenas a esposa de alguém. Clarissa sente-se invisível, reduzida a Mr. Richard Dalloway, um homem gentil, mas qualquer coisa também, que não percebe a depressão da esposa e apenas busca atender suas vontades. O casamento aprisiona a personalidade da mulher, que deixa de ser ela mesma e se torna sombra do marido.
Percebemos esse paralelo com sua amiga Sally Seaton, a qual Clarissa não reconhece pelo nome de casada, mostrando que elas deixaram de ser as melhores amigas cheias de personalidade que causaram horrores na cidade de Bourton quando jovens. Tudo isso tem um tom nostálgico e pessimista, pois, para a mulher, casar-se não é apenas um dos únicos meios de ascender socialmente na época, como um destino natural, uma prisão inevitável.
Tudo isso poderia ter sido diferente se Clarissa estivesse escolhido Peter Walsh? Esta é um dúvida que nunca nos será respondida, por que, na vida, não dá para tomar decisões baseadas apenas na paixão. Virginia Woolf jamais poderia escrever os pensamentos de um típico homem da alta sociedade, pois é nítido o desprezo que alimenta por essa camada social em específico, por isso Peter Walsh é homem que não deu muito certo aos olhos dos seus colegas. Se envolveu com socialismo, jurou que seria escritor e nada, aparentemente continua pobre e agora envolvido com uma mulher casada na Índia. Peter Walsh é o oposto do marido de Clarissa e de todos aqueles convidados do tal jantar, e essa lealdade a sua essência tem seus prós e contras.

As críticas de Virginia Woolf não ficam apenas dentro da classe alta londrina, mas também é direcionada ao abismo social existente na época, principalmente a recessão que acompanhou o período entre guerras. Septimus Smith sofre com os traumas da guerra, e isto é refletido, também, na vida medíocre e triste de sua esposa, Rezia, que além de ser imigrante, tem que ajudar o marido doente, de uma doença que médico algum conseguia diagnosticar e levar com a seriedade necessárias.
Virginia Woolf tinha transtorno bipolar e passou grande parte da sua vida entre idas e vindas de asilos psiquiátricos, tempo que resultou no seu profundo desprezo por médicos. No romance, percebemos que ninguém está apto a ajudar Septimus de verdade, pois os médicos estão focados e restritos demais a sua vivência cultural privilegiada. O resultado é a invisibilidade de Septimus, ignorado pelos médicos, que conversam com sua esposa sobre a situação do paciente.
Clarrisa e Septimus nunca se encontram na história, porém, ao final, Virginia Woolf revela que ambos são sobre ela, duas faces da mesma moeda. Entre a linguagem irônica e o desdem engraçado que a autora utiliza para fazer suas críticas, as situações absurdas escondem uma profunda tristeza, vazio e solidão.

Mrs. Dalloway não é um livro fácil: requer muito da nossa atenção ao mesmo tempo que é tão fácil nos permitir distrair com pensamentos soltos, como os personagens. É uma história que nos faz rir, mas aquela risada que esconde uma crise no coração. Um livro denso, que demora para engrenar, sem divisão de capítulos e que, muitas vezes, não nos chama de volta, porém, sempre que espiamos a mente conturbada de Clarissa Dalloway e Peter Walsh, queremos ficar um tempo ali.
Como primeiro contato com a literatura de Virginia Woolf posso dizer que é desafiador, mas o suficiente para me apaixonar pela autora e querer mergulhar em sua obra (com moderação, pois a crise depressiva existencialista que provoca não é pouca coisa!). Uma leitura lenta, mas que de um jeito esquisito, provocou grande identificação e se tornou uma queridinha!
O final dá vontade de jogar o livro pela janela, mas isso pode ser uma coisa boa.

Uma resposta para “Mrs Dalloway demonstra a agonia e maravilha de Virginia Woolf!”
Virginia Woolf era um gênio!
CurtirCurtir