Contos de fadas são histórias que não envelhecem! Apesar de apresentadas como para o público infantil, sua origem é sombria e baseada na nossa essência humana. Tudo Bem Não Ser Normal é uma série que traduz os contos de fadas para a nossa realidade adulta, e encanta com o ar lúdico que esconde profunda escuridão da alma.
Moon Gang Tae é um cuidador especializado em pessoas neuro-divergentes, tendo aprendido a função desde muito jovem por causa de seu irmão mais velho, Moon Sang Tae, que está no espectro autista. Os dois são órfãos e mudam de casa a cada primavera, pois as borboletas que aparecem durante a época são um gatilho terrível para seu irmão.
Tudo estava em ordem até um dia fatídico no seu trabalho. Um paciente psiquiátrico consegue driblar a equipe e ir atrás de sua filha pequena, a quem ele apresenta grande perigo. O paciente então é impedido por Ko Mun Yeong, autora famosíssima de livros infantis e fria como gelo. Após impedir uma tragédia e ferir, sem querer, Moon Gang Tae, os dois veem seus destinos cada vez mais entrelaçados – principalmente porque Moon Sang Tae é um fã fervoroso da autora insuportável!
O começo é um pouco difícil, os dois personagens são propositalmente sem carisma e escondem muito suas emoções, inclusive de nós. Tudo Bem Não Ser Normal nos conquista aos poucos – de verdade, 1h20 por capítulo é puxado – conforme retira a armadura de Moon Gang Tae e Ko Mun Yeong, e o grande responsável pelas maiores transformações é Moon Sang Tae, alguém que nos encanta e cativa a cada episódio.
A forma gradual, cômica e carinhosa que a série escolhe para abordar as pessoas neuro-divergentes e ilustrar a luta individual de cada um com sua saúde mental é o ponto alto. De forma humana e afetuosa, conhecemos diversos personagens que enfrentam suas próprias batalhas individuais e a série não poupa em falar sobre o papel da família e do amor na administração dos transtornos mentais. E neste aspecto entram os contos de fadas.

Conhecidos ou não, inéditos ou antigos, cada episódio é pautado por um conto de fadas cuja moral é ilustrada no dia-a-dia dos personagens, evidenciando que, apesar do aspecto fantástico, essas histórias conversam com nossos traumas e dores mais profundos e universais – escritos há centenas de anos, por vezes parece que o autor sentou ao nosso lado e tivemos uma sessão de psicoterapia.
Tudo Bem Não Ser Normal segue vários aspectos que soam quase como uma fórmula dos dramas coreanos – algo positivo é como eles sabem construir relacionamentos, diálogos, e nos não tem a menor pressa em acelerar o processo dos personagens, a intimidade que a série constrói é palpável. Porém, os episódios, por veze,s são muito longos e demoramos para imergir de verdade nessa história, entender para onde ela quer nos levar.
A ausência de vilão era fascinante, a própria Ko Mun Yeong se autodenominava a bruxa-má das histórias e, com o tempo, nos simpatizamos e até sentimos por ela. No entanto, perto dos episódios finais é introduzida uma personagem puramente vilanesca, o que cria um climax maquiavélico infantilizado e tira um pouco o brilho do momento. A presença dessa personagem não era necessária para a conclusão dos arcos dos protagonizadas – forçou uma cena final de crimes sensação de novela das seis.

Os personagens coadjuvantes de Tudo Bem Não Ser Normal são o puro carisma da série e, por um bom tempo, gostamos muito mais deles do que dos protagonistas. São pessoas doces, engraçadas e generosas que mereciam um desenvolvimento melhor. Como essa é uma série que fala bastante de psicologia, no sentido de ~ traumas da infância que impactaram o adulto de hoje ~ poderíamos ter conhecido mais como se construíram algumas relações: Como Moon Gang Tae conheceu seu melhor amigo? Como Ko Mun Yeong conheceu o atrapalhado e leal dono da editora? São personagens com uma conexão emocional e presença na série muito fortes a ponto desse background fazer falta.
As atuações são indiscutivelmente perfeitas! Kim Soo Hyun e Seo Ye-Ji estão completamente alinhados com os arcos de seus personagens e os vemos se curando dos traumas diante dos nossos olhos, a carranca que carregavam desaparece com o decorrer da história de uma forma intimista e impressionante – além de serem simplesmente BELÍSSIMOS. No entanto, é Oh Jeong Se quem entrega a performance mais impressionante. Moon Sang Tae não é caricato e nem um estereótipo pronto de um personagem no espectro autista, o ator age com muito respeito e responsabilidade que nos desperta compaixão pura e inocente – é claro que poderíamos sempre ter escolhido alguém, de fato, no espectro autista para interpretar o personagem, mas considerando o ocorrido, foi lindo demais!

Além da trama principal, Tudo Bem Não Ser Normal também explora as histórias dos pacientes psiquiátricos da clínica OK – onde a maior parte da série se passa. Desconsiderando a clara romantização dessa realidade com a qual tudo é trabalhado na série, existe aqui uma abordagem muito importante que é a não culpabilização e marginalização das pessoas com alguns transtorno mental. Na série, é trabalhado o lado social das doenças, não de um jeito técnico e psicológico, mas humano e relacionável, a fim de despertar empatia.
Temos um paciente com bipolaridade e, por isso, é rejeitado pela família. Temos mulheres que estão internadas devido a traumas agudos que sofrem como abuso infantil e violência doméstica. Um senhor que não consegue viver em sociedade devido a sua experiência na guerra. Enfim, as histórias são plurais, mostrando que todos estamos suscetíveis a transtornos mentais, e que estas pessoas tem sua dor e as suas dificuldades – é realmente muito lindo e sensível.
Tudo Bem Não Ser Normal é uma série acolhedora e que, por fim, mostra como a arte pode salvar vidas – um meio lúdico e honesto de tirar uma dor que se carrega, de contar a sua perspectivas e expressar quem você realmente é. Apesar do começo atravancado, quando percebemos, estamos completamente rendidos àquele universo. Um conto de fadas nada perfeito, mas com a pureza necessária para despertar mais empatia e compaixão, além de arrancar boas risadas!
Veredito!
Contos de Fadas são um caminho para a alma! Tudo Bem Não Ser Normal vê na arte a saída para tirar do peito aquilo que não conseguimos expressar ou entender. Apesar de muito longa e um pouco repetitiva, a série traz uma história original, sensível e carinhosa sobre traumas, transtornos e saúde mental. Com atuações de tirar o fôlego, lágrimas e gargalhadas, a série é como um longo e afetuoso abraço, com mensagens responsáveis e empáticas em relação a pessoas que são marginalizadas e, por vezes, invisíveis na sociedade. Só seremos plenamente nós mesmos quando aprendermos a acolher a criança que reside no nosso interior. Tudo Bem Não Ser Normal tem uma atmosfera de novela das seis deliciosa, é inteligente, sábia e tem mensagens lindas a cada episódio.