Com retrato melancólico de Diana, Spencer descreve sentimentos de forma visual, repleto de poesia e analogias evidentes no subtexto. A realeza é uma prisão, e assistimos à princesa do povo imersa numa crise de identidade, onde ela não se reconhece mais e, na qual o público é mantido a uma distante que impede uma conexão genuína com Lady Di.
“São apenas três dias” – é assim que Diana (Kristen Stewart) se motiva a caminho do Natal em Sandringham House, residência real em Norfolk. Enquanto todos chegam com a caravana exigida pelo protocolo real, Diana está sozinha, dirigindo seu próprio carro e perdida – apesar de ter vivido nessa região durante a infância. Após pedir ajuda em um restaurante na estrada, ela é a última a chegar para o encontro de Natal e, nesses minutos iniciais, já temos as diretrizes do filme: melancolia, solidão e metáforas.
Esta não é uma história usual sobre a Princesa Diana e a família real – apesar de considerado um biopic (termo em inglês para filme biográfico), Spencer não segue uma narrativa convencional, e nem poderia se tratando da história sobre o ícone que desafiou a monarquia britânica. Spencer é sobre a mulher atrás do título de princesa, a mulher que foi trancada numa caixa fria e solitária envolvida por protocolos sem sentido, mas que, simplesmente, não coube dentro dela.
Spencer se autorefere como: “Uma fábula sobre uma tragédia real” – um jeito charmoso e poético de dizer “inventamos a maior parte disso tudo” – e um uso questionável da palavra fábula, mas enfim. Spencer é um mergulho na melancolia e deterioração da saúde mental de Diana durante os longos e insuportáveis três dias de Natal (24, 25 e 26 de dezembro), uma narrativa que se mistura com alucinações da personagem e extrapola para tela algo que não consegue verbalizar. Diana se prova uma narradora não confiável, o que poderia ser muito promissor, caso não tivessem optaram pelo caminho mais monótono.

Sentimos a claustrofobia dentro da sua própria rotina, e a contradição de uma mansão repleta de luxo ser um local tão sufocante. A fotografia é pautada em closes na Diana, intensificando essa sensação de aprisionamento, além do próprio colar que ganha de Charles no Natal. A solidão de Diana é tamanha que a única pessoa que parece entender seu dilema é Ana Bolena, esposa assassinada de Henrique VIII – um paralelo trágico de quem não teve medo de cutucar esse vespeiro.
Seja pela frieza da casa e de toda a tradição sem sentido, a ausência e reprimendas de Charles ou os olhares fulminantes da rainha, é fato notório e logo percebido que Diana não se encaixa naquele local, como também está constantemente sendo vigiada – “Faça o menos de barulho possível, eles podem te ouvir” pregado na cozinha nos avisa – e, esta sensação tão bem construída promove a tensão que o filme precisa e que seria quase impossível, visto que passamos a maior parte do tempo sozinhos com a princesa em crise.
O retrato do maior símbolo da aristocracia moderna é decadente, fútil e remonta a outro filme bem parecido de Pablo Larraín , Jackie – estrelado por Natalie Portman, conta a história da viúva de Kennedy. Em Spencer, o diretor adota uma biografia mais imaginativa, porém, o ar de mulheres brancas ricas presas dentro da sua própria classe representando um papel enquanto estão emocionalmente aos frangalhos permanece o mesmo, e, tal qual Jackie, Spencer promove um distanciamento emocional: entendemos que sofre, mas não sofremos tanto junto com a personagem.

Escrito por Steven Knight (responsável por Taboo, Peaky Blinders, Millennium: A Garota na Teia de Aranha e vários sucessos, alguns questionáveis rs), a história conversa conosco por metáforas, desde a ênfase da princesa em dizer que a casa está congelante e ninguém liga o aquecedor, até diálogos que soam tão artificiais que se assemelham a monólogos intelectuais da novela das nove. Seja nas atitudes, nas falas e ou nas ações, as boas ideias do primeiro ato se tornam repetitivas, não nos oferecendo uma saída (tal qual com Diana) e sentimos cada minuto passar de forma angustiante. Os três dias de Natal da princesa é um desafio tanto para ela quanto para nós.
O roteiro e a direção são impecáveis no que se propõem a fazer e dão significado a cada detalhe da obra, cada frase, cada objeto decorativo, cada olhar – nesta linha criativa da obra, nada é por acaso. No entanto, esquecem que a principal característica de Diana era sua humanidade, seu aspecto universalmente relacionável, assim, o filme carece de leveza, de um momento descontraído. Até a cena em que brinca com seus filhos, Harry (Freddie Spry) e William (Jack Nielen), parece ter algo melancólico a dizer, e poderia ser utilizado como um escape para ela e para nós.
Existe, no entanto, um personagem nessa história que, independente da maneira que a contemos, sempre será o vilão: Príncipe Charles (Jack Farthing). Tal qual o marido ausente que foi para Diana, em Spencer ele mal aparece, e quando o faz, desejamos que ficasse onde quer que estivesse. É difícil dizer o que aconteceu e o que foi inventando, no entanto, a narrativa de ele ter dado o mesmo presente de Natal para Diana e sua amante é de deixar qualquer pessoa louca, e, eu particularmente, acredito na veracidade destes fatos. Fora isso, Charles parece apenas um instrutor fitness maldoso.
No entanto, o belíssimo presente nos proporciona uma das melhores cenas do filme – o jantar com a Rainha e família. Neste cena, o tom imaginativo do filme ganha força e entendemos que estamos apenas flertando com a realidade, mas residindo na percepção distorcida de Diana, que enfrenta gravíssimos problemas com a saúde mental e as únicas pessoas que parecem entender a gravidade da situação são: seus filhos crianças e alguns funcionários do palácio. Spencer retrata a depressão e a bulimia de Diana com a seriedade e preocupação que essas doenças merecem, bem como a falta de assistência e o agravamento que isto provoca.

Assim, o filme deposita muito em Kristen Stewart, que entrega uma atuação hipnotizante, melancólica e empática de Diana como pessoa, deixando para trás a pompa de princesa e exaltando a fragilidade de uma mulher presa e isolada na sua dor. A câmera quase nunca se distancia de seu rosto, e a forma como Stewart reinterpreta Diana sem se tornar uma caricatura ou réplica da princesa é precisa, sincera e, de fato, o ponto alto de Spencer.
Com tanta metáfora e informação no subtexto, o aspecto da moda se soma e se perde um pouco na narrativa. Roupas são uma forma de autoexpressão, mas isso foi roubado de Diana, quando nem escolher seus próprios lookinhos a princesa pode! No entanto, a forma como isso é endereçado em Spencer deixa a mensagem passar despercebida, e foca apenas na primeira camada da discussão: mais uma ordem chata que Diana precisa seguir. Ao final, temos looks icônicos de Lady Di, inclusive seu vestido de casamento, ilustrando como as peças de luxo tão exaltadas, na verdade, eram uma prisão para ela – no entanto, tudo parece um grande fashion film estrelado por Kristen Stewart, uma queridinha do meio fashion.
Veredito
A direção de Larraín e o roteiro de Knight promovem cenas que parecem saídas de um sonho esquisito, retratando a dor angustiante que Diana sentia e explorando a sua batalha com a saúde mental e com a bulimia com um texto cheio de metáforas. Apesar do filme almejar nos colocar dentro da mente da heroína, sua escolha narrativa se mostra sem saída e repetitiva, onde tudo sempre quer dizer algo a mais, se apoiando muito na relação e bagagem prévia da audiência em relação a Diana. O foco exacerbado no sofrimento da personagem sem contexto substancial reduz seu brilho e cria uma barreira que nos impede de simpatizarmos e estabelecermos uma relação genuína com Diana. Tudo funciona impecavelmente bem em Spencer, mas a falta de coração nos faz deixar a sala de cinema vazios de sentimento. Talvez, o que tenha faltado seja justamente aprender com Diana – o segredo do carisma reside da simplicidade.
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