Duna: Seria Paul Atreides um White Savior?

O herói de Duna, Paul Atreides, chega em Arrakis como o herdeiro do Duque, e um dia, irá governar aquele planeta tal qual seu pai – foi preparado para isso. Porém, ele tem um “senso de identificação” forte com o lugar e com a cultura, e sem surpresa para ninguém, irá se transformar num símbolo, um líder unido ao povo local. Essas histórias são contadas por povos brancos colonizadores há muito tempo, criando figuras conhecidas como “white saviors”.

contém spoilers de Duna!

Paul realiza a fantasia colonial de um autor branco ao se tornar “Deus-Rei” de uma cultura tribal local, sendo não apenas aceito e acolhido por eles, mas galgando a posição de liderança máxima acompanhada de admiração e devoção. Em resumo, a jornada de Paul consiste no opressor subvertendo a sua imagem e se tornando o salvador dos oprimidos, mas ainda se colocando como figura central nesse processo.

A Síndrome do Branco Salvador (White Savior) é o termo utilizando para descrever pessoas brancas que buscam ajudar pessoas não-brancas, porém a primeira vista caridosa, a ação é revestida de intenções egoístas, na qual a pessoa branca se coloca no centro e difunde seus pensamentos eurocêntricos, sem buscar conhecer a cultura local, fortalece estereótipos e se utiliza de uma caridade condescendente.

Comum em narrativas reais e ficcionais, infelizmente esse arquétipo faz mais mal do que bem, pois além de subjugar povos e culturas locais, não faz questão de desenvolver a região, apenas se autopromover as custas da miséria alheia (que, normalmente, foi provocada pelos próprios branco, inclusive). Paul Atreides teria tudo para representar o extenso grupo de brancos salvadores, porém, sua situação é um pouco mais complexa: Herbert também se distanciou um pouco desse lugar comum e conveniente aos colonizadores

Os Fremen não são um povo “bárbaro” aguardando serem “civilizados” pelos costumes imperiais. Herbert faz questão de mostrar como eles possuem tecnologia necessária para garantir sua vida e sustento na região, como possuem organização, liderança e costumes bem definidos, com raízes filosóficas. O personagem de Paul não subjuga a cultura deles, pelo contrário, aprende e se integra a ela. Dessa forma, os Fremen são o centro moral de Duna e Paul não transforma a cultura local, mas é transformado por ela.

Não são os Fremen que precisam da caridade de Paul, mas o protagonista que precisa da ajuda do povo local para sobreviver. A relação dos dois grupos é uma troca de experiência e sabedoria. Paul, herói, tem como mérito e característica distinta, justamente, superar os estereótipos negativos e ofensivos do império e dos Harkonnen sobre os Fremen, ele enxerga a sua riqueza e potencial.

No entanto, apesar de bem amarrado dentro da mitologia proposta, ainda temos a figura de um branco opressor do exterior se apresentando como o líder e salvador de um povo por seus antepassados oprimidos. Quem realiza a profecia da religião dos Fremen é um homem branco, a figura messiânica continua sendo um homem branco, e, ao chegar na posição de liderança, não deixa de querer ocupar seu lugar de direito como homem branco. Paul não reivindica o seu antigo eu, ele quer ser tanto Atreides quanto Fremen.

Quando religião e política viajam no mesmo carro, os condutores acreditam que nada é capaz de ficar em seu caminho. Seu movimento torna-se impetuoso, cada vez mais rápido. Deixam de pensar nos obstáculos e esquecem que o precipício só se mostra ao homem em desabalada carreira quando já é tarde demais.

~Frank Herbert

Apesar de ter se integrado a cultura local e nutrir profunda admiração e respeito por ela, Paul se aproveita dela e da imagem que querem lhe impor e coloca seus interesses pessoais enquanto herdeiro do Duque no centro da ações dos Fremen. Muito disso é sobre o excelente desenvolvimento do personagem, porém, ao convencer todo um povo não-branco a embarcar nas suas ambições herdadas da sua cultura branca colonial, não estaria ele transformando a cultura local com seus ideias “eurocêntricos”?

Paul Atreides não é o arquétipo clássico do Branco Salvador, e Herbert constrói a história de modo a se distanciar dessa representação negativa e condescendente. O próprio protagonista pode, até certa altura, negar essa caracterização que a história lhe impõe, mas a assume quando é conveniente. A história nasce pronta para abraçar a Síndrome do Branco Salvador, mas evita assumir esse manto. Se a trajetória de Paul Atreides aceita ou nega esse arquétipo, não fica claro apenas no primeiro volume da Saga.

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