Épica jornada cheia de politicagem, ousadia ecológica e libertação messiânica, Duna marcou a literatura de ficção científica com seu calhamaço de quase 700 páginas, servindo como referência para inúmeras obras da cultura pop. Intimidador, o livro é cheio de conceitos e neologismos que nos confundem logo nos momentos iniciais, mas que fazem parte da experiência altamente imersiva. O planeta de areia se torna uma casa hostil, cheia de paralelos com a Terra e propostas de reflexão que confrontam a cultura e moral.

Essa é a história de um planeta, habitado por um povo e dominado por outro, e do messias que surge para libertá-los – com alta dose de ecologia e crítica ao modelo econômico vigente. A família Atreides está de mudança, o Duque Leto, chefe do planeta Caladan, foi realocado pelo Imperador para governar Arrakis, planeta árido, sem água e preenchido basicamente por dunas de areia e vermes gigantes.
Antes governado pela família inimiga, os Harkonnen, o Duque e sua amante, Lady Jessica, sabem que estão partindo para uma potencial armadilha sem volta para a casa. O filho do casal, Paul Atreides, é uma pessoa excepcional, preparada para ser um Mentat (pessoa com alto potencial de raciocínio, quase como um computador) e treinado nas artes secretas das Bene Gesserit (único homem a receber o treinamento, que consiste em habilidades de manipulação mental) – além, de claro, lutar muito bem.
Apesar da hostilidade de seu novo lar, Arrakis é um planeta estratégico: é o único produtor da especiaria, conhecida como mélange. Essa substância aumenta bastante o poder de percepção, oferecendo, até, vislumbres do futuro para os mais sensíveis a ela. Sem o mélange, os pilotos não conseguem realizar viagens interplanetárias. Por isso, o Império julga que pode simplesmente explorar o povo nativo, os fremen, para pegar a especiais que precisa.

É nesse contexto geopolítico que se inicia a história de Duna: um planeta cheio de organizações misteriosas, políticas ardilosas, culturas e religiões diferentes e muitas tramoias. É inevitável não se sentir um pouco intimidado ou sobrecarregado com o excesso de informação, mas a leitura conta com um glossário próprio e uma narrativa instigante que faz você se sentir um local após algumas páginas.
A experiência de leitura
A leitura de Duna é uma experiência transcendental. Frank Herbert criou um universo complexo que, ao mesmo tempo vende ao leitor uma sensação de onisciência, o surpreende a cada página. É como se habitássemos Arrakis, e estivéssemos nessa jornada desoladora junto a Paul Atreides, e, tal qual o protagonista, temos pequenos vislumbre do futuro, mas não sabemos como chegaremos até ao fatídico destino.
Herbert brinca com o conceito de spoiler – logo no início já sabemos algumas coisas que irão acontecer, ele mesmo nos conta e conta aos personagens, mas caímos em negação, queremos evitar, e, quando aceitamos, ainda assim, precisamos acompanhar e entender COMO ou PORQUÊ. Duna é uma história sobre a jornada, sobre construção, e deixa claro que saber o local da chegada não significa nada quando você não sabe como chegará lá, e em quem irá se transformar no caminho.
“O mistério da vida não é um problema para resolver, mas uma realidade para experimentar.“
~Frank Herbert
Somos atraídos pelo inevitável. Cada capítulo começa com um excerto e, independente do livro a que se refere, normalmente fala sobre um tal “Muad’Dib”, que, apesar de não estar na história, logo entendemos quem é. Esses trechos são como uma visita ao passado por parte de quem os conta, e uma visão presciente para o leitor. Uma mistura amarga da sabedoria irremediável do destino. E essa poesia desafiadora nos acompanha por toda a jornada.
Duna tem um glossário próprio, a edição da Editora Aleph acompanha, também, o apêndice (que oferece um contexto surpreendentemente interessante) e um mapa. Muitas palavras são ressignificadas e tantas outras são neologismo puro desse universo, porém, raras ocasiões é necessário de fato consultar o glossário. A maioria dos casos é possível compreender por meio do contexto, só ter um pouco de paciência que ele chega – acredito que parar a leitura toda hora que algo desafiador aparecer quebra bastante o ritmo. Sugiro procurar apenas conceitos chaves, como Mentat ou Bene Gesserit, por exemplo.
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Apesar de envolvente, Duna é uma leitura densa – o que significa, por vezes, lenta. Nunca temos a sensação de estarmos empacados ou preso em descrições intermináveis, o livro é cheio de ação e temos a oportunidade de contemplar diferentes pontos de vistas, porém, a imersão pede que nos demoremos em alguns pontos chave. Um deles são os Fremen.
Moradores de Arrakis, os Fremen são um povo misterioso que vivem no meio do deserto e, apesar de parecerem apenas colonizados pelo império, eles têm seus próprios planos e estratégias em andamento. Com uma mistura de islamismo sunita e zen budismo, Herbert criou uma religião própria, derivada da sua paixão pela filosofia dessas duas vertentes. Os costumes desse povo são super diferentes perante aqueles do Império, mas jamais descritos como algo “exótico” ou “bizarro”, tendo os porquês e as filosofias muito bem amarrados.
Afirmar que se detém o conhecimento absoluto é se tornar monstruoso. O conhecimento é uma aventura interminável na borda da incerteza
~Frank Herbert
Duna é uma viagem, e assim como Paul Atreides, a primeira vista tudo que enxergamos são inúmeras páginas confusas, um deserto sem fim. Entretanto ao explorar seu conteúdo cheio de organizações, intrigas, vermes gigantes, ação e, até, momentos cômicos que fazem cosquinha no cérebro, percebemos a riqueza que se esconde entre cada letra. É uma jornada longa, cansativa, mas transformadora.
Não é uma leitura que recomendaria a todos, mas, com certeza é uma que indico fervorosamente a quem se interessou pelas temáticas abordadas. A ficção-científica é utilizada de forma natural, como ferramenta, e não se perde em auto-adulação pelo universo criado. Tudo soa natural, para que possamos nos concentrar e conectar emocionalmente com o que realmente importa na história.
Os vermes gigantes ficam pequenos perto de tudo que a obra nos propõe a refletir.
4 respostas para “Duna: vale a pena investir na leitura?”
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