Terror no bingo! Uma premissa cafona e interessante para acompanharmos a personificação do pesadelo do qual Lupita (Adriana Barraza), antiga moradora de Oak Springs, vem alertando seus vizinhos: a gentrificação. Apesar de divertido, Bingo Hell exagera na cartoonização de momentos cruciais, carecendo de cenas aterrorizantes e lutando para conseguir formular uma mensagem efetiva sobre o tema proposto.
Um novo café está inaugurando no bairro de Oak Springs, com filas de jovens hipster e uma estúpidas livraria itinerante na porta, Lupita não suporta e deixa claro na primeira oportunidade: essa gente não será bem recebida por ela na sua região. Com uma postura teimosa, irreverente e divertida, a “abuela” da vizinhança faz a sua ronda diária, dando uma passada na casa dos seus amigos, o mecânico Clarence (Grover Coulson) e a cabeleireira Yolanda (Bertila Damas). Como um bom local de fofocas, enquanto faz seu cabelo, Lupita encontra sua amiga Dolores (L. Scott Caldwell), que também enfrenta seus problema com a nora e o neto ~wannabe rebelde. A sinergia dos personagens é clara, e logo já entendemos a dinâmica do local e a personalidade de cada um.
“We were so excited to break the stereotype of the ‘weak and old’.
Gigi Saul Guerrero
Essa é uma vizinha humilde e unida sendo esvaziada pelas grandes corporações, que fazem ofertas generosas pelos imóveis da comunidade. A gota d’água para Lupita é quando descobre que Mario (David Jensen) vendeu o estabelecimento onde realizava atividades e bingo em prol da união e da solidariedade local. Agora, com uma vibe ~Las Vegas baixo orçamento~ o bingo da região adquire luzes luxuosas e misteriosas e é comandado pelo Senhor Grana (Mrs. Big haha), um cara bem do esquisito que traz prêmios surreais para uma comunidade pobre que sempre desejou apenas uma vida melhor.
O roteiro de Bingo Hell de Gigi Saul Guerrero, que assina a direção e divide os créditos com Shane McKenzie e Perry Blackshear, é plano demais, construindo uma narrativa exageradamente maniqueísta que não propõe de fato uma discussão, e carece de momento angustiante ou que despertam um terror genuíno. Apesar dos personagens bem definidos, não nos apegamos a eles ao ponto de nos importarmos com o perigo iminente ou com o que o futuro os reserva. A mensagem final não é nada sutil, pelo contrário, é brega e simplória, amarrando um tema complexo como a gentrificação com uma fita frágil de fraternidade.
O segundo ato parece ocupado: temos muitos efeitos visuais, descobertas e empreitadas dos personagens, porém, na realidade, ele nos diz pouca coisa, especialmente para a audiência que já percebeu e sabia de tudo aquilo. O plot de Caleb (Joshua Caleb Johnson) é um tanto quanto avulso e entediante, principalmente porque nada significativo de verdade parece preenchê-lo. A história como um todo se apoia no carisma anti-heroico de Lupita, com a excelente atuação de Adriana Barraza, utilizando seu sotaque mexicano e irreverência divertida e intimidadora.

A direção é consistente, porém um tanto cartoonesca. A atmosfera fantasiosa com uma pincelada demoníaca do bingo, extrapolados pela interpretação de Richard Brake, contrastam com a vibe pacata da cidade, no entanto com aspecto muito maniqueísta. O terror se apoia nas expressões do ator, que tem a mensagem macabra proposta, mas não é o suficiente para nos fazer temê-lo ou sentirmos uma real ameaça de sua parte. O elemento faustiano satírico é bem interessante, mas perde quando é complementado por dinheiros que viram slimes.
O design de produção e a maquiagem realizam um ótimo trabalho para compor a atmosfera e criar uma unidade na história, entretanto, a filmagem não favorece o aspecto macabro. Apesar de visualmente interessantes e bem arquitetas, as mortes que deveriam chocar funcionam mais como pinturas, e a sensação é de um trabalho excelente desperdiçado: não sentimos terror ou aflição, mesmo que a composição estivesse favorável a isso. Guerrero tem uma boa dinâmica com a câmera, mas receio em criar sustos e agonias no público, o que deixa a experiência um pouco infantilizada.

Mesmo que a infantilização da obra pareça autoconsciente, a sátira não é, desse modo, bem executada. Muitos aspectos da obra se assemelham a um desenho animado, seja a trilha sonora, a dualidade exagerada entre a realidade humilde e o jogo de luzes do bingo maldito, ou as lentes de olho de peixe utilizadas para distorcer, principalmente o vilão Mrs. Big, e conferir um caráter demoníaco. O filme, no final, fica entre um Todo Mundo em Pânico e Goosebumbs.
Bingo Hell tem como premissa o terror institucional, e mostra como as grandes corporações se aproveitam da ingenuidade de comunidades humildes para construir seus impérios. Entretanto, o enredo maniqueísta impede a construção de uma discussão e empobrece os dois lados da história. Gigi Saul Guerrero se mostrou uma diretora consistente com boas ideias de identidade e unidade narrativa, mas o roteiro infantilizado limitou o alcance da sua obra.
Infelizmente o ~TERROR NO BINGO~ não atingiu todo o potencial da ideia cafona e genial. Dessa vez, o longa da antologia filmíca Welcome to the Blumhouse não entregou o prêmio para nós, e saímos desse bingo com um prêmio mixuruca de consolação. Bingo Hell é um bom filme para uma festa de halloween, você pode deixar passando enquanto conversa e come com seus amigos, pois as pequenas olhadas ocasionais para a televisão já são o suficiente para entregar toda narrativa.
