Slalom – Até o Limite: sobre a importância de contar histórias previsíveis

A maior surpresa de Slalom – Até o Limite é a dura decisão de seguir a previsão mais pessimista do expectador. Charlène Favier faz sua estreia como diretora de longa-metragem abordando um trauma recorrente no período coming-of-age de meninas adolescentes. Com um olhar cru e manipulativo, a cineasta explora a vulnerabilidade jovem como ambiente favorável a predadores abusivos.

Baseada em uma narrativa que confirma nossos piores temores sem hesitar, Favier conta a tragédia de Lyz. Aceita por um excelente programa esportivo, a jovem de 15 anos muda de cidade para realizar seu sonho: treinar para ser uma grande atleta do ski, ao mesmo tempo que não abandona os estudos. Apesar de ser um grande passo na sua vida, o filme não permite que nos entreguemos ao otimismo: Lyz está se mudando praticamente sozinha, já que a mãe arranjou um emprego em outra cidade e seu pai é ausente. E, percebemos que o treinador Fred tem um potencial gigantesco para ser um ~baita babaca.

Nossos primeiros encontros com Fred sugerem que ele é uma figura distante, desinteressada e prática: o contato com Lys é uma avaliação física pragmática, na qual ele, inclusive, sugere que a menina perca uns quilinhos (~babaca). Suas conversas motivadoras seguem essa linha, com frases duras e cruéis, que nos fazem questionar a sua eficiência e querer ligar imediatamente para um psicólogo. Essa demonstração nada sutil de poder combinada a sua boa aparência fazem Lys, uma jovem desamparada emocionalmente, nutrir certo interesse romântico platônico – nada anormal dado o contexto e o despertar sexual da personagem.

São com seus olhares e atitudes estratégicas que percebemos como fomos manipuladas por Favier. A diretora tem a paciência de um predador sexual para nos fazer acreditar que Fred não é essa pessoa, baixando nossa guarda e instinto até, bem, ele ser exatamente esse tipo e confirmar o que sempre soubemos. Conforme Lys ganha campeonatos e atesta sua aptidão brilhante ao ski, a relação de Fred com a atleta muda, como previu a colega de equipe da jovem.

Gatilhos de abusivo sexual e cenas difíceis de serem digeridas ilustram uma história previsível, e a dor vem do realismo cru de saber que aquilo é um retrato mais frequente do que gostaríamos de admitir. Favier, co-roterista junto a Marie Talon, nos coloca na cabeça confusa da protagonista, partindo ainda mais nosso coração: Lys não tem qualquer relação afetuosa próxima, a menina carece de orientação em relação ao amor e a vida sexual, e fica cada vez mais isolada com seu abusador. Apesar de óbvio para audiência mais madura, nos pegamos igualmente atordoados com a situação, tal qual a personagem.

A forma com que Favier decide contar essa história é o que a sobressalta. A fotografia é um quadro que traduz os sentimentos nunca verbalizados pela personagem. A diretora utiliza o recurso para nos manipular, igual o treinador faz com a atleta, mas deixa pistas para o expectador, que são percebidas conforme nos tornamos ciente da situação. A coloração de contos de fadas de inverno perde o brilho com a apatia crescente de Lys, e dá lugar a cores dessaturadas e a vermelhos pontuais, que traduzem a violência ambição e desejo.

Em tempos de olimpíadas e com o maior relato de casos de abusos sexuais, Slalom se torna um fantasma na nossa mente, que nos faz temer pela história de vida terrível que uma atleta pode carregar. Favier estreia de forma impecável com um drama cru e honesto (bem ~francês) (o longa fez parte da seleção de Cannes 2020), com boas escolhas narrativas e fazendo do seu maior trunfo o olhar narrativo diante da tragédia. Seguindo a linha da A Assistente, Slalom tem uma história previsível, mas que precisa ser verbalizada e difundida, pois, como um meio importante de representatividade social, o cinema precisa colocar em pauta esse crime que destrói a vida de milhares jovens, vítimas de predadores sexuais.

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