Todo mundo gosta de um bom mistério, e é isso que Entre Facas e Segredos entrega. Um filme divertido e bem-humorado que desperta no expectador a sensação de estar jogando o clássico Detetive. A experiência é estritamente o que esperava tendo assistido ao trailer, e isso é uma coisa boa: consegue manter o mistério interessante, sem dar spoiler, mas revelando o tom e ritmo que esperar. Porém, o longa carece de uma autoria legitima de Rian Jonhson.
Harlan Thrombey (Christopher Plummer) está morto! Patriarca magnata de uma família conturbada, a morte que, no primeiro momento indica ser suicídio, esconde muitos segredos. Benoit Blanc (Daniel Craig) é um detetive contratado por alguém anônimo a fim de descobrir a verdadeira causa da morte. Os suspeitos são, basicamente, seus filhos, netos e agregados que estavam na casa, em uma festa, na noite do suposto assassinato. Harlan, autor famoso de livros de mistério e investigação, já estava debilitado e conta com os cuidados da enfermeira Marta, logo apontada como uma das suspeitas pela família excêntrica (como eufemismo de, bem, pessoas mesquinhas e arrogantes).
Dizer que Entre Facas e Segredos é baseado nos clássicos de Agatha Christie seria pouco, o longa é uma homenagem a rainha do crime – é tão fiel ao estilo da autora que, até o momento de fazer a pesquisa para escrever essa crítica, acreditei que era de fato baseado em um dos seus livros, e divulguei essa informação erroneamente aos conhecidos, perdão. O jeito dos personagens, a personalidade do detetive Blanc e a forma como a investigação é conduzida são super alinhadas com o estilo de Christie – e isso, claro, é um elogio, mas até certo ponto.
Em 2018 foi lançado Assassinato no Expresso do Oriente, realmente baseado na obra homônima de Agatha Christie. O filme é excelente, apresenta Martin Freeman como o famoso e único detetive Poirot e tem uma estética muito bem definida; o longa tem personalidade e um elenco estrelado. Para os desaviados, Entre Facas e Segredos parece uma continuação, escrito e filmado pela mesma pessoa, só trocando os personagens e a história. Mas toda essa semelhança, apesar de revestida de homenagem, é um potencial desperdiçado de criar uma identidade ao filme e, principalmente, consolidar a autoria do excelente Rian Johnson.
O cineasta que escreveu e dirigiu o longa tem um currículo incrível como a direção de Os Últimos Jedi, alguns episódios de Breaking Bad, entre eles o polêmico The Fly, e escreveu e dirigiu Looper: Assassinos do Futuro. O trabalho que ele realiza em Entre Facas e Segredos é excelente, tanto que alcançou algumas tímidas, mas significativas, categorias nas premiações Globo de Ouro e Critics Choice Awards, porém, quando assistimos essas obras, falta uma linha autoral de Rian Johnson. Sim, é uma crítica bem da chata, me perdoem – o filme é incrível, como os outros trabalhos dele. Johnson demonstra amar e conhecer em profundidade o gênero investigativo, sabe armar um dramão com pitadas e comédias, e consegue manter o mistério.
Afora essa crítica, eu amei o roteiro. Ele é muito bem amarrado, coerente e com um ritmo muito bom – o longa nunca fica maçante, e sempre está introduzindo novas pistas e virando a história. Gosto como o expectador, mesmo tendo informações privilegiadas, pode desempenhar o papel de detetive no filme. O roteiro é explícito, mas sutil – quem está atento consegue desvendar o mistério, não tira plot twists do nada e nem subestima o espectador – mas, claro, tem o momento REVELAÇÃO DO PLANO, gabarito do que você acertou e errou haha. É um filme democrático, que consegue falar com os fãs de mistérios e aqueles mais desatentos. Isso, acredito, é um dos grandes trunfos de Entre Facas e Segredos – tem potencial de conversar com uma audiência universal.
Além do mistério bem construído e inteligente, o roteirista insere críticas que tangem o universo das “empregadas” de família. Marta (Ana de Armas) é enfermeira de Harlan, e os dois desenvolveram o clichê de uma grande amizade. Quando o senhor morre, o modo como a família trata Marta é totalmente incompatível com a forma como falam dela. A ironia de toda a situação é “rindo de nervoso”, e, no final, apesar de longe de ser original, cria um tom de deboche e entrega uma mensagem divertida. O roteiro tem um proposito, e gosto quando ele sabe a história que quer contar e por quê – mesmo não sendo o auge da originalidade.
A direção de Rian Johnson é competente, ele resgata os clássicos do gênero com zoom no rosto dos suspeitos, a trilha sonora e referências divertidas nas falas dos personagens. O filme debocha do gênero (mas com respeito e reverência) dos seus clichês e dos seus personagens – fica claro que Johnson é um entusiasta do gênero, a ponto de conhecer seus pontos fortes e fracos em profundidade. Esse amor do cineasta transcende o filme, o deixando divertido e prendendo a atenção.
Eu adorei Entre Facas e Segredos justamente porque ele é tudo que se propõe a ser, nem mais e nem menos. Um filme fofo, de um fã de mistérios para outro. O personagem de Daniel Craig é inspiradíssimo em Poirot, e é muito bom ver o quase finado 007 fazendo algo que foge da sua zona de conforto, apesar do terno, ele é atrapalhado e cômico – surpreendentemente funciona. Ana de Armas é muito boa, a atriz cubana segura a personagem e se encaixa muito bem com o elenco experiente composto por Michael Shannon (amo), Jamie Lee Curtis, Toni Collette e Chris Evans que, espero, agora possa fazer papeis que o valorizem como ator, esse primeiro experimento mostra como ele precisava se despedir do Capitão América e viver outras pessoas.
Inaugurando a temporada de premiações, Entre Facas e Segredos é o representante pop, muito bem feito, divertido e que conversa com todo mundo! Ideal para quem não curte as pegadas cult dramáticas, mas quer assistir um ou outro filme dos prêmios. Ele concorre com melhor elenco e melhor comédia no Critics Choice Awards e melhor atriz e ator em comédia e como melhor filme de comédia no Globo de Ouro – lembrando que, apesar de engraçado e divertido, juro que não é comédia.
Único ponto que achei mal explorado no filme foi a personalidade do Harlan Thrombey – o magnata supostamente assassinato. Conhecemos a relação dele com todos os familiares, mas apenas pelo olhar das pessoas, o que o deixa meio sem personalidade definida para o espectador. O lance com as facas, a paixão por histórias de mistério, a relação com os netos, principalmente a vivida por Katherine Langford, acredito que ficaram muito no ar. O filme tinha espaço para abordar melhor o personagem, mesmo que em flashbacks, para que algumas coisas ficassem mais aprofundadas, substanciais. Acredito que podem haver cenas pequenas cortadas que supram essa falta que senti – e que, também, tem a ver com o gênero, já que é assim que o detetive enxerga Harlan. Mas gostaria de conhece-lo melhor.
O design do filme é belíssimo, e isso é algo que valorizo. Os personagens da família, todos uns trastes, são muito bem feitos e escritos cheios de críticas ácidas a estereótipos reais. O núcleo de Michael Shannon é HORRÍVEL, mas muito bem executado, entende? Um dos roteiros mais clichês do ano, mas que sabe disso e se aproveita, brinca, mas sem deixar a história solta, ele se leva a sério de um jeito saudável e debochado. Adoro esse tom! Vale super apena conferir no cinema e entrar no clima natalino (para aqueles que detestam o Natal rs). Um dos filmes mais divertidos do ano.
Uma resposta para “Entre Facas e Segredos mostra o amor pelos clichês de investigação”
[…] Driver, que, inclusive já trabalhou com diretores consagrados como Spike Lee, Martin Scorsese, Rian Johnson e Clint Eastwood, enfim, […]
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