É assustador pensar que faz apenas trinta anos da queda do muro de Berlim. Há tão pouco tempo um país e uma cidade eram divididos, governados por inimigos, e milhares de pessoas separadas involuntariamente. Ventos da Liberdade conta a história real de duas famílias que, desesperadas para fugirem do regime soviético, se arriscaram em cruzar a fronteira em um balão caseiro. Surreal quando a arte imita a vida e acabamos por descobrir que histórias como Up – Altas Aventuras tem base na realidade.
Peter Strelzyk e Günter Wetzel trabalhavam juntos e vinham há cerca de dois anos planejando a fuga da Alemanha Oriental. Na pequena cidade de Thrüringer, os dois vinham secretamente construindo e costurando um balão capaz de levar oito pessoas além da fronteira. No dia programado, com o vento na direção e intensidade ideal para voarem, Günter não confia no projeto, e, com medo de desabar ou qualquer outra coisa, acaba dando para trás. Assim, Peter e a família embarcam sozinhos, se despedem para sempre dos amigos e rumam o ocidente. Tudo dá errado, eles não conseguem ultrapassar a fronteira. Abandonando com discrição a tentativa frustrada, os Strelzyk se vêem perseguidos pelas autoridades soviéticas e, juntos novamente com os Wetzels, planejam em tempo recorde a nova fuga, antes de serem pegos.
Pensar em toda a pressão que o governo soviético incutia na sociedade é assustador e, conforme consumimos mais matérias sobre isso, fica claro que não é exagero das pessoas quando o retratam com severidade absurda. O longa tem um clima que muito se assemelha a Chernobyl, com o excesso de formalismos e cobranças entre os camaradas, os agentes KGB, que ficam encarando as pessoas, e o pânico dos cidadãos, com medo o tempo todo. O filme consegue colocar no expectador o desespero das famílias que querem fugir, o temor de serem pegos, a urgência de abandonarem aquele local.
O roteiro opta por focar no drama familiar, a história fica dividida entre as duas famílias, em especial a de Peter, e a investigação pontual do governo, ou seja, não temos tempo para contexto: ele infere que você já saiba um pouco sobre o que se passava na União Soviética. Roteiro e direção alemã, o filme tem uma excelente ambientação e consegue pegar muito no emocional da audiência. Apesar de europeu, a sua estrutura se assemelha muito com a de Hollywood: a forma como os arcos são claramente definidos, o uso da trilha sonora, o ritmo dos acontecimentos. Para as pessoas que torcem o nariz para filmes do gênero, sossegue, pois, esse é um drama que, além do alemão, não sentirá tanta diferença daqueles ao qual está habituado.
Confesso que esse aspecto me deixou um pouco triste por dois motivos diferentes. O primeiro, mais bobo, é que esperava um cinema mais autoral e diferente, a semelhança com os dramas hollywoodianos é boa para atrair mais público, mas eu esperava uma coisa diferente, expectativas desalinhadas, provavelmente. O segundo motivo é que, por ser feito no país onde tudo isso aconteceu, por pessoas que viveram essa realidade, o absurdo do muro de Berlim ganha um peso maior, e ver aquele local frio, pálido e fosco dá uma pontada no coração. É horrível assistir a uma caricatura que a gente tem na mente desse período sendo representada com tanta verdade.
A fotografia acertou muito, apesar de não ter planos incríveis, ela é bonita, competente e consegue transmitir as emoções daquela atmosfera densa, com as cores frias e dessaturadas. É claro que o roteiro toma liberdades de adaptação para conseguir contar essa história surreal, e, por isso algumas coisas acabam ficando simples demais para as 2 horas de filmes, mas quando procuramos a história real dessas famílias, nossa, coragem.
Eu gostei muito da abordagem do filme em focar na família, na união e sincronia para colocar o plano em prática e, também, nos sacríficos e riscos compartilhados. O longa tem um ritmo muito bom e consegue manter o expectador segurando o coração na mão o tempo todo. O núcleo investigação do governo é o que menos gostei, achei over a personalidade do investigador e, sinceramente, meio despropositada – ficou muito vilão de novela, fora do tom.
Nesse momento de reflexão dos 30 anos da queda do muro de Berilm, é um filme muito oportuno para termos, mesmo que um pouquinho, a dimensão do que representou. A pessoa para chegar ao ponto de arriscar a vida da família e construir um balão caseiro para cruzar o muro mais vigiado e militarizado da época é de uma desesperança imensuráveis. E a forma como o regime lidava com fugitivos e pessoas contrárias a ele é chocante – se bem a forma como eles tratavam os próprios apoiadores e colaboradores também não fica atrás.
O caso real e dramático de Up – Altas Aventuras é impressionante e mais um filme que mostra como as pessoas são criativas e extremas quando desesperadas. Nesse momento que o mundo tem estado meio louco, flertando com uns regimes totalitários e tal, é um filme que mostra o absurdo da falta de privacidade dos cidadãos e como essa atmosfera leva a uma vida com medo e sem autenticidade e espontaneidade. O longa é para a família toda, se libertem dos preconceitos com filmes fora do eixo Estados Unidos – Reino Unido e assistam essa história incrível, que vai muito além dessa breve sinopse (o trailer é bem condizente com o que esperar do longa, recomendo).