Branca Como a Neve é uma inesperada jornada de autoconhecimento!

Em tempos de Live Actions da Disney, Branca Como a Neve surge para contrabalancear a eterna romantização das princesas. O filme de Anne Fontaine busca na primeira animação de Walt Disney o plot geral, e o atualiza de forma divertida, inusitada e empoderadora. Branca Como a Neve brinca com a história que já conhecemos e, ao mesmo tempo, não se prende em suas amarras e ousa de um jeito libertador e petulante.

A história começa como sempre, só que nos dias atuais e sem magia. Claire (Lou De Laâge) acabou de perder o pai, mas tem uma boa relação com a madrasta, Maud (Isabelle Huppert). De olhar dúbio e sem conhecermos realmente as intenções da mulher, ela manda matar Claire por um motivo que, a princípio, não entendemos muito bem. A jovem se vê sequestrada no meio de uma floresta, quando é salva por um homem, que a hospeda em sua residência. Numa pequena cidade do interior, Claire faz novos amigos e vê uma oportunidade de recomeço.

As referências ao conto e ao filme clássico são inúmeras, mas elas acontecem quase como uma brincadeira da diretora, e a história opta pelo subjetivo e por quebrar tabus. Após o trauma, Claire se liberta e decide viver mais plenamente, longe dos olhos controladores da madrasta. Não por acaso, ela conhece sete homens, que fazem perfeitos paralelos com cada um dos anões. A grande diferença é que esses homens não são irmãos e, cheios de defeitos e personalidades singulares, veem em Claire uma forma de, também, se libertarem.

Branca Como a Neve é um filme emancipatório, um divertido e debochado coming of age. Claire tem uma jornada inusitada de autoconhecimento e despertar sexual. Suas experiências são puras, ingênuas, nas quais o norte das relações sexuais não é romance, mas a curiosidade. Cada momento de tensão com os anões é uma oportunidade de conhecermos mais sobre eles, e de vermos a protagonista saber sobre si. O filme nos conquista com a quebra de expectativa e a surpreende leveza e inocência que carrega.

Eu diria que essa é a principal herança do clássico. Apesar das várias referências e brincadeiras que ditam o tom e a atmosfera do longa, a sensualidade e carisma de Claire, brilhantemente interpretada por Lou De Laâge, é o que nos prende. Anne Fontaine, diretora e roteirista, subverte os elementos da narrativa como na casa dos anões, que é tanto opressiva quanto acolhedora, no aprofundamento da protagonista (Branca de Neve é oca, convenhamos) e, principalmente, na voz que a madrasta ganha.

branca como a neve filme frances

Divido em três capítulos, Maud ganha espaço para seu desenvolvimento além de megera invejosa. Começamos com a surpreendente boa relação com a enteada, Claire, a qual fica ambíguo os sentimentos. Os olhares de Huppert são um enigma para o expectador e tornam a personagem extremamente contraditória, e vemos a batalha que é para ela lidar com a situação. As cenas com Claire são magnificas, principalmente ao final, quando dançam juntas (melhores momentos do cinema!). Isabelle Huppert estava no Oscar há dois anos atrás, e mostra como é uma excelente atriz.

Em Branca Como a Neve todo detalhe importa. As roupas vermelhas mostrando poder e sensualidade, o campo dando a ideia de uma fantasia, o nevoeiro místico, tudo ajuda a criar um ambiente de conto de fadas, mas que não deixa o expectador esquecer da realidade. É um filme que toma decisões corajosas, não tem medo de ser polêmico e, eu diria, quase uma fanfic sensual de Branca de Neve, com questionamentos que, talvez, sempre fizemos. Consegue remover, sem medo, os problemas do clássico, atualizando-o de forma debochada e empoderada.

branca como a neve lou de laage

Eu, confesso, nunca fui muito a pessoa da Branca de Neve – sendo realmente incompreensível para mim porque ela seria a princesa favorita de alguém. Inúmeras adaptações e releituras foram desenvolvidas, mas Branca Como a Neve se tornou minha favorita, mesmo. Espelho, Espelho Meu, com Lily Collins e Julia Roberts, beira o insuportável e tudo que tem de lindo no figurino tem de ruim no roteiro. Ele mantém a mesma problemática da rivalidade feminina, sem nuance alguma dos personagens, e um príncipe meio sei lá, chato.

Branca de Neve e o Caçador também mantém uma dualidade perigosa, sem trabalhar bem as personagens femininas, e dando o protagonismo para O Caçador (Chris Hemsworth escolhe uns papeis às vezes que senhor rs). O filme tenta trazer um ar sombrio e uma mitologia para o conto, mas segue cometendo os mesmos erros – se apega a superficialidade e fragilidade feminina, colocando o destino na mãos de homens.

Branca Como a Neve subverte isso começando com nomes. Branca de Neve e a Rainha tem nomes de verdade, Claire e Maud, e isso é importante para dar personalidade, nuances, e mostrar que elas são pessoas com qualidades e defeitos. O filme acerta em não colocar o peso de tudo nas mãos de homens, mas as decisões mais importantes ser das próprias mulheres. As cenas de sexo, Claire sempre está por cima, e isso é muito emblemático: ela está no controle do seu corpo, da sua vida, e do seu desejo. Maud não tem simplesmente inveja porque a enteada é “mais bonita”. Esses pequenos detalhes e o desenvolvimento da relação das duas mudam totalmente o caráter antiquado que a história tinha. Os homens são doces, frágeis e, às vezes, patéticos, enquanto as mulheres são fortes e corajosas.

branca como a neve isabelle huppert

Nunca vamos cansar de releituras das princesas, porque são histórias base cheias de potencial. Porém, o mais rico é conseguir atualiza-las e ter a ousadia suficiente para mudar aquilo que incomoda, que não cabe, que pode ser diferente. É claro que o filme é a visão de Anne Fontaine sobre o clássico, mas mexer com algo do imaginário comum e apresentar dessa forma é muito rico, e mostra como não precisamos nos prender a padrões antigos para criar algo novo. Em Geekerela, vemos o mesmo acontecer com uma história incrivel, inventiva, fofa e cheia de representatividade.

O filme escorrega na representatividade, claro, nem tudo é perfeito. Entretanto, traz uma abordagem feminista emancipatória fundamental hoje em dia. Em tempos que teremos nossa Pequena Seria negra (Halle Bailey conte comigo para tudo), filmes para garotas com histórias de garotas precisam estar alinhados com as realidades respectivas. Branca Como a Neve não aceita julgamentos morais, e a narrativa em momento algum quer que o expectador entre nesse mérito, é um filme sobre liberdade e quebrar tabus. Eu amei essa releitura, é super divertida, leve e vale o seu ingresso do final de semana!

PS: Quem assistir, vamos brincar de dar match entre os sete homens de Claire e os anões? Porque é muito divertido tentar relacioná-los haha.

PS2: Eu faria algumas coisas diferentes, como ter trocado um dos anões por uma anã, e ter brincado mais com etnias, por exemplo. Senti falta disso.

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