Uma das séries mais aguardadas do ano por mim, Carnival Row surpreende as expectativas e entrega uma obra linda, encantadora e política. Reacendida minha paixão por Orlando Bloom (que homem), o elenco é excelente e tem uma química única com toda a proposta da série. Cara Delevigne, enfim, teve o trabalho que conseguiu destacar seus pontos como atriz e combinar com sua personalidade. Se preparem, pois essa é, sem dúvidas, umas das séries que mais gostei nesse 2019.
Carnival Row é um lugar da “cidade” de Burgo no qual é habitado pelas mais diversas espécies como: humanos, fadas, faunos, trolls etc. Após a guerra contra O Pacto, várias das vilas na quais abrigavam-se esses seres fantásticos foram destruídas, obrigando-os a se mudarem para Burgo. Porém, como é de se esperar de humanos, essa imigração forçada não é bem recebida. No meio de toda essa confusão, o investigador Philo (Orlando Bloom) é incumbido de solucionar o misterioso brutal assassinato de uma fada cantora. A série tem várias subtramas, como a câmara do Chanceler, Vignette (Cara Delevigne) se mudando para Burgo, o novo vizinho rico que vem a ser um fauno … e tudo não para de ficar interessante.
Eu sou uma fã declarada de fantasia, e Carnival Row sabe construí-la com sabedoria e proposito. Apesar de todo esse enredo, o verdadeiro tema não é o mistério dos assassinatos, mas sim a COLONIZAÇÃO e a hostilidade para com os IMIGRANTES – muito atual, não? Boas histórias do gênero são aquelas que se aproveitam da imaginação fértil para escancarar problemas sociais nossos, e Carnival Row faz isso com maestra e de forma inteligente e pouco sutil.
Os seres fantásticos na cidade de Burgo vivem as margens da sociedade, “excluídos” a um bairro específico, seus empregos são, basicamente, de serviçais nas casas dos humanos ricos, pedreiros, ambulantes e prostituição. Logo nas primeiras cenas vemos os policiais subornando e destratando essa população, que é constantemente subjugada. Suas crenças, rituais e costumes são hostilizados e, quando muito interessantes, expostos em museus para que os humanos possam admirar a vida “exótica” desse povo. Burgo se proclama uma cidade inclusiva, mas os humanos nutrem um discurso de ódio para com os seres fantásticos, ditam o que podem e não podem fazer e procuram anular suas identidades, como no ato simbólico de esconder as asas das fadas, para que se pareçam mais com eles.
A série é uma enorme crítica aos EUA que recebeu povos de diversos lugares, mas que ofertam subempregos e criam um mito da meritocracia e capitalismo que funciona, apenas, para criar esse abismo social e desigualdade. Quando Agreus (David Gyasi), um fauno, fica rico e se muda para uma renomada vila, os vizinhos são hostis, preconceituosos e desconfiados. Eles não aceitam que alguém na raça de seus funcionários se torne um vizinho, um igual – ele não faz parte daquela sociedade. Enquanto todos esses seres são responsáveis pela construção da cidade, pela comida, prédios, limpeza, entregas, absolutamente tudo, a aristocracia humana os inferioriza e desmerecem.
Nesse ponto da crítica social, Carnival Row se assemelha a Distrito 9 – filme excelente sobre racismo, mas com alienígenas. Quando a trama usa artifícios fantásticos para escancarar o absurdo que nós fazemos com nossa própria espécie, é inevitável não sentir repudio. A história também é muito política, com discursos de ódios e polarizados como no nosso Brasil atual, e vemos a ascensão da ignorância e preconceito como, também, estamos vivendo no momento. A própria guerra que leva essa situação ao extremo não é completamente explorada na série. Os povos fantásticos foram expulsos de seus habitats, pois o pessoal queria explorar suas florestas e recursos mágicos! Inclusive, Burgo e o Pacto colocaram faunos contra faunos e fadas contra fadas, separando ideologicamente quem sempre viveu em harmonia.
J.K. Rowling fez algo semelhante em Harry Potter e todo o paralelo da história de Voldemort com o nazismo, enfatizando que histórias fantásticas são muito mais do que magias imaginárias, elas são um espelho de nós mesmo. Carnival Row consegue tocar em cada esfera dessa hostilidade típica humana e, principalmente, na hipocrisia das nossas relações e no jogo de poder que nos cercam. O núcleo do Chanceler e de Agreus diz muito sobre isso, com relacionamentos inter-raciais proibidos e políticos segregatistas.
Apesar de todo esse meu devaneio, Carnival Row não é uma série palestrinha! Essas críticas não são sutis, mas estão inseridas organicamente na história. O que faz a história andar é o mistério de assassinatos que Philo investiga – é nesse ponto que toda a história e tramas vão se desencadeando e virando uma bola de neve. Os diferentes núcleos, por mais improvável que seja, vão se conectando ao final, e, em termos de roteiro, a série é excepcional. Em oito episódios, ela conseguiu criar toda uma mitologia, desenvolver seus personagens de forma satisfatória e solucionar o principal plot de forma inteligente. Palminhas.
O ritmo da série é muito bom, e apesar de 1 hora de episódio, eles passam muito rápidos devido aos diversos núcleos e quantidade de problema que os maldosos roteiristas colocando nossos amados personagens. Até os momentos finais, a sensação é de que a série vai acabar sem resolução nenhuma, e já bate um desespero de ver o tempo passando e respostas não sendo fornecidas. Ao mesmo tempo, ela é sábia em dar informações cruciais sempre, então não é como se a história não tivesse progredindo, mas é que sua progressão a leva a ficar mais e mais complexa. Porém, relaxa, a principal trama é concluída, e deixam boas pontas soltas para a segunda temporada que, pelo que entendi, já está confirmada.
A química de Orlando Bloom com Cara Delevigne é simplesmente TUDO, e a tensão sexual dos dois e quase um personagem e daquele tipo que dá vontade de gritar … meu deus perfeitos. Cara Delevigne finalmente teve um papel que soube trabalhar junto com sua personalidade, depois do HORROR que foi Vallerian e a Cidade dos Mil Planetas, a modelo/atriz está incrível nessa série. Não é como se ela fosse ganhar o Emmy, mas é muito bem ambientada e tem sua identidade trabalhando em prol da personagem. Todos o elenco tem um match muito legal com a atmosfera, são genuinamente bons e com excelente química entre eles. Agreus e Imogen (Tamzin Merchant) protagonizam uma das cenas mais poéticas e encantadoras do universo de séries atual!
E, pegando esse gancho proposital, vamos falar da ambientação desse espetáculo visual. A atmosfera de Carnival Row é como se fosse uma Londres de 1800 e pouco, e, nesse sentido e tom da série parece muito com Taboo – vamos colocar uma idade moderna quase revolução industrial época vitoriana vibes? Então tá (tem até referência a Jack Estripador *aaa*). A paleta é escura, sombria, suja e, pela minha interpretação, os pontos de cores indicam quase uma liberdade de ser quem é, uma aceitação da sua natureza e personalidade em uma sociedade baseada na opressão. A direção de todos episódios é muito boa, ela tem personalidade, conversa com a mitologia, e sai do arroz com feijão. A série é daquela bem cinematográficas, lindas, e com uma linguagem diferente.
Amazon Prime Video economizou zero recursos e tudo é grande produções. O cenário, figurino e maquiagem são exuberantes, e entenderam que esse seria um ponto crucial – fantasia que é pra ser sombria e séria, e fica tosca não dá, né? Haha. Os faunos são encantadores, as fadas voando são um fenômeno da natureza, e até humano virando lobisomem e criatura Lovecraft temos. Óbvio que a fotografia e as cenas escuras ajudam a disfarçar esses efeitos, mas eles tão lá, competentes e belíssimo. E a fotografia, sinceramente, sem palavras, cenas que dão vontade de serem emolduradas na minha casa.
Não consigo manter a neutralidade diante de uma obra prima como Carnival Row! A série consegue ser tudo: mistério de assassinato; seres fantásticos; magia negra; FADAS; Orlando Bloom; história épica de amor; militância pura; TUDO! Tem potencial de agradar uma gama de pessoas e uma série que chega com os dois pés no peito do cenário atual. Amazon Prime Video capricha DEMAIS nas séries originais, e entrega sempre um trabalho muito autoral, com propósito e sem amarras. Com uma linha editorial muito bem definida, o streaming se distância da sua concorrente com séries de cunho mais adulto e com produções cinematográficas, focando na qualidade de cada trabalho ao invés da quantidade (não é uma crítica, é um diferencial apenas haha).
A minha conclusão é: Vale muito muito muito a pena assinar Amazon Prime Video, principalmente pelos materiais originais do streaming. Carnival Row é uma das melhores séries do ano, assistam e não vão se arrepender. O único disclaimer dessa experiência é: se preparem para criar uma obsessão por Orlando Bloom e elenco. Não posso reclamar, já estava com saudades de amar Legolas.
PS: A série é perfeita? Não, tem seus defeitos e pontos fracos (e até uns buraquinhos de roteiro se me permitem), mas são pequenos e não prejudicam a experiência! A crítica não avaliou tão bem a série e sinceramente, loucos, não entendi o problema haha.