Stranger Things está de volta com a sua terceira temporada e, após mais de um ano de abstinência da Eleven e seus amigos, o momento de matar as saudades chegou. Marcada como o meio da série, Stranger Things consegue manter o tom e o ritmo das demais temporadas, porém a história atinge patamares maiores. Com novos personagens e problemas além dos Demogorgons, a cidade de Hawkins é um imã de loucuras – assim como os anos oitenta foram, intensos.
Cerca de seis meses após os acontecimentos da segunda temporada, a história começa nas férias de verão, com as crianças curtindo seus amigos, e namoradinhos. A grande novidade da cidade é o shopping (palco principal dos babados – como sonho de criança), que vive lotado e, consequentemente, afeta o comercio local. Os adolescentes estão nos típicos empregos de verão americano, com Steve trabalhando na sorveteria e Jonathan e Nancy no jornal local da cidade. Tudo está correndo bem e feliz, até que algo acontece com Billy, o temível, começando tudo de novo o rolê com o mundo invertido. Se o trailer pouco fala da trama, quem sou eu para falar mais, não é mesmo?
Os oito episódios remetem muito a primeira temporada, inclusive fazendo bastante referências ao início da série. Recurso interessante para despertar a nostalgia do começo, quando as crianças ainda eram crianças – elas cresceram muito – e recuperar os sentimentos dos fãs. Entretanto, depois de três temporadas, é visível a fórmula da estrutura narrativa, o que faz com que todas sejam, no esqueleto da história, a mesma coisa. Isso não torna a série previsível, mas desperta uma sensação de dejavu durante os episódios. Usar de maneira tão fiel a mesma estrutura pode deixar tudo cansativo e episódico, e, assim como as crianças estão mudando e amadurecendo, gostaria de ver o mesmo com o desenvolvimento narrativo da série. Óbvio que tudo isso não afeta o envolvimento com a temporada e sou apenas eu sendo implicante haha.
O roteiro desse ciclo é incrivelmente bem amarrado, detalhista e rico. O grande destaque continua sendo o desenvolvimento dos personagens, que seguem com seus arcos complexos e muito bem trabalhados. Eu adoro que desde Eleven até os coadjuvantes tem estabelecido suas funções, conflitos e crescimentos, o roteiro tem um cuidado excepcional com cada um deles. O que antes veio chegando de forma tímida, nessa temporada ficou em evidência: GIRL POWER da série. Stranger Things colocou luz sobre o tema de forma brilhante e soube criar uma história que, naturalmente, abordasse e desenvolvesse isso. O feminismo protagoniza cenas e momentos únicos que não servem apenas para “olha como sou moderno”, mas que veio sendo trabalhado desde antes e ajuda a englobar as meninas que foram excluídas nos anos oitenta com personagens fracos e estereotipados.
Começamos com Sra. Wheeler (Cara Buono), mãe de Mike e Nancy. Conhecemos um pouco melhor de como funciona essa família, e logo no primeiro episódio (não tem spoilers), vemos como ela está presa na narrativa de mãe/esposa dona de casa. Além disso ela protagoniza uma das melhores cenas da temporada com a filha, Nancy (Natalia Dyer), apoiando e orientando a garota num momento difícil. Nancy está estagiando no jornal da cidade, e o emprego é uma grande merda. Dominado pelo clássico homem padrão, a garota sofre assédio moral e é humilhada constantemente enquanto tenta fazer suas ideias e pautas acontecerem, para se tornar uma grande jornalista. A carreira é sabotada e ridicularizada, enquanto Jonathan (Charlie Heaton) é tratado de forma normal e não acha o emprego ruim. A série não procura ser discreta nessa temática, e evidencia como o ambiente de trabalho pode ser tóxico para mulheres, que enfrentam uma dinâmica e obstáculos bem diferentes dos homens.
Eu já amei a série por isso e o arco de Nancy é excelente, principalmente pelas discussões que aborda – os diálogos são todos ricos e ela prova sua inteligência e instintos. Seguindo nessa linha, todas as garotas são trabalhadas de modo que, no momento crucial, elas são as responsáveis por salvar o dia. Imagina a minha empolgação quando parei e analisei que, sempre quem salva o dia são as meninas! Isso não fica óbvio e forçado em momento algum, é claro que elas contam, e muito, com a ajuda dos personagens masculinos, porém quem resolve as paradas são as garotas. No sentido de nostalgia que funciona como alicerce da série, ela não tem medo de atualizar as coisas ruins dos anos oitenta, sem ficar pedante e escrachado, mas natural, como sempre devia ter sido – ela subverte os clichês por meio dos personagens. Não existe um o momento palestrinha militando, mas a mensagem é passada de forma objetiva.
Disso nasce a amizade de Eleven (Millie Bobby Brown) e Max (Sadie Sink)! As cenas das garotas são únicas e deveras especiais, com Max ajudando Eleven a encontrar a sua identidade, a ser mais do que a namorada do Mike (Finn Wolfhard) e mostrando a importância de amizades femininas e assumir o seu próprio controle. Mike está um verdadeiro aborrecente, pé no saco, e eu não suportava esse garoto. Toda temporada um dos quatro amiguinhos ficam um saco, essa foi a do Mike haha. Os diálogos não funcionaram muito na boca dele, nada ficou natural e sutil, e ele dava muito piti. Porém, o núcleo narrativo dele, Lucas (Caleb McLaughlin) e Will (Noah Schnapp) foi muito fofo e interessante: a série mostra nossos amiguinhos amadurecendo, e como cada um faz isso no seu tempo, e nessa mudança abrupta e rápida, às vezes, você se desconecta das pessoas mais próximas – mas isso não quer dizer que deixa a amizade de lado em momento algum.
Nessa narrativa também se enquadra o Dustin (Gaten Matarazzo), que continua vivendo um momento mais próximo de Steve (Joe Keery) do que do seu grupo de amigos. Apesar dessa dupla ser imbatível e maravilhosa, eu acredito que o roteiro cometeu o erro de querer repetir o sucesso da segunda temporada, que foi orgânico, e isso não funcionou muito para mim. O núcleo deles é o mais divertido e forçado ao mesmo tempo – não sei explicar haha, mas fiquei triste da pouca interação de Dustin com as outras crianças. Porém, é nesse núcleo que temo Robin (Maya Hawke), nova personagem. A garota entra muito bem na série, a personagem é sensacional, divertida, inteligente, engraçada e cria uma dinâmica com Steve excepcional. Os dois tem as melhores cenas da temporada, uma química em cena fantástica e Robin eu já te amo, muito!
Além dos dois, a minha outra dupla favorita foi Joyce e Hopper. Os dois são muito divertidos e trazem uma carga dramática maior para a série, construindo muito bem o balanceamento com as crianças. Com uma perspectiva mais madura, temos o conflito de Hopper (David Harbour) com a filha namorando, e a Joyce (Winona Ryder) com a vontade de proteger seus filhos e oferecer uma vida tranquila. Eu adoro a interação dos dois, mas, com a entrada de Murray (Brett Gelman) de novo funcionando como um catalizador de relações no roteiro, eu acredito que a isso tenha sido um pouco forçado. Murray mais uma vez é um personagem escrachado, pouco trabalhado, que funciona exclusivamente como ferramenta de resolução de problema que o roteiro não sabia como fazer, ou não tinha tempo hábil para tal.
A série faz questão de ser nerd e afirmar isso seguidas vezes durante os episódios – isso não é a toa. As referências mil tanto das nerdices como filmes e músicas, como das temporadas anteriores, não são apenas um fanservice, mas escondem detalhes que enriquecem muito a trama geral e dão dicas valiosas sobre o que vai acontecer e como essa história está sendo construída. Como a série é nerd feita por nerds, nada é vazio e de graça, porque essas pessoas gostam de significado! Com bagagem, repertório, e predisposição à teorias e quebra-cabeça, a experiência de Stranger Things fica muito mais rica – não é essencial, mas faz diferença na visão do todo. Além disso, fica muito divertido, como a referência a Alien, Guerra dos Mundos e Exterminador do Futuro, por exemplo!
Nessa temporada temos, finalmente, a introdução dos Russos – conspiração soviética, planos megalomaníacos, espionagem, bem história dos anos oitenta mesmo. Essa grande trama é desenvolvida bem aos poucos, desde a primeira temporada, com a introdução vagarosa de elementos que nunca chegam a uma resposta certa. Eu não gosto muito de como a série vem tratando esse assunto, fazendo temporadas episódicas focada nos monstros do mundo invertido, enquanto essa coisa russa é levemente acrescentada. Muitas perguntas ficam em aberto, e a grandeza que os assuntos vão adquirindo atrapalha, um pouco, a minha suspensão da descrença, pois tudo fica meio escrachado demais. E os russos são muito idiotas, também, o que encaro como um problema, em alguns momentos.
Pela cena pós crédito (sim, ela existe), deu a entender que a trama russa vai ser o foco da série dali para frente. Porém, como estamos na terceira temporada, eu gostaria de ter tido mais respostas do que novas perguntas e pontas soltas: experimento em humanos como Eleven; cadê a irmã dela Eight que nem citada foi; o cientista maluco que fugiu; qual é a desse mundo invertido afinal de contas. Ao mesmo tempo que o roteiro da temporada é fantástico, fechadinho, e conta a história com começo, meio e fim, existem esses elementos que me fazem pensar se os Duffer Brothers sabem exatamente onde querem chegar. Apesar de muito anos oitenta, eles trazem atualizações fantásticas, e, por isso eu espero que logo no desenvolvimento do vilão, não se percam e criem apenas uma coisa maligna vazia, não relacionável, e sem desenvolvimento.
O tom de Stranger Things continua o mesmo, e mais afiado agora que já estamos à vontade com tudo e todos. A série, muito sabiamente, consegue misturar a nostalgia, ingenuidade e inocência das crianças com discussões atuais, profundas e cenas de violência explícita – preparem o estômago, tem umas coisas bem nojentas e sangrentas. Apesar do terror, a série é fofa, doce e consegue cativar o expectador e envolve-lo com todo o coração. O final da série é, como anunciado, dilacerador! Sinceramente, Netflix, para que me colocar na situação patética de choro e sofrimento na qual me encontrei? Acabou comigo!!
Ela tem muito a vibe verão norte-americano, com as cores saturadas, neons, o clima de férias o quatro de julho! A ambientação é impecável, como nas outras temporadas, desde as vestimentas, maquiagens, locações, objetos dos meninos, tudo é minuciosamente escolhido de forma a nos colocar na história por inteiro. A série é repleta de pequenos momentos muito simbólicos e que aquecem o coração, que fazem os personagens complexos e relacionáveis. Os atores são excelentes, e uma das séries com melhor elenco atualmente. Billy (Dacre Montgomery) é excepcional, além do arco difícil, o ator entrega um trabalho de destaque, e as cenas com Eleven elevam muito o nível de Stranger Things. Além de Winona Ryder e David Harbour que são simplesmente tudo!! Todo mundo atua bem, tem química e são excelentes.
Essa química de anos passando por situações loucas como Demogorgons e portais malignos gera um entrosamento dos personagens bizarro e muito divertido. Como falei no começo, a série segue a mesma fórmula das outras temporadas: núcleos de personagens separados investigando e descobrindo coisas diferentes, que se encontram e tudo faz sentido. É hilário como eles contam as coisas mais loucas e não perdem tempo com descrenças e hesitações, todos abraçam rapidamente as maiores bizarrices, sabem a função de cada um nessa história toda e assumem papeis, como se estivessem em uma gincana!
Stranger Things manteve o nível de qualidade, em três temporadas não decaiu a história, e, ao contrário, entrega personagens muito bem desenvolvidos, complexos, e que amadurecem de forma natural e rica. A série sabe construir a representatividade de forma orgânica, delicada e poderosa, de maneira que fique fluida na trama. Acredito que o roteiro opte muito mais pelos personagens do que pela ficção cientifica que se propões, mas isso em momento algum é um problema, pois esses personagens são excelentes e são o que amarra nosso coração a cada episódio. As referências são brilhantes, mas a série acerta em não ficar presa em uma nostalgia do nerd chato, procurando atualizar problemas típicos dos anos oitenta. A hype existe por um motivo: é, de fato, uma das melhores séries atuais, que abrange todo os públicos com uma história sangrenta, devastadora e surrealmente FOFA! EU AMO UMA SÉRIE!
Uma resposta para “Stranger Things 3 subverte e abraça os clichês dos anos oitenta”
[…] dos anos 1980 é impecável, mas não é o foco da série. Diferente de Stranger Things (confira crítica da 3 temporada), não existe uma glamourização e nostalgia excessiva da década, em Glow tudo é mais natural e […]
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