A segunda temporada de Dark finalmente está entre nós. A série alemã que surpreendeu a todos em 2017 com sua narrativa sombria e criativa volta ainda mais complexa, aprofundando os conceitos apresentados e nos inserindo de vez numa história metafísica alucinante. Dark contraria a tradição das séries e entrega uma temporada melhor, mais empolgante e se torna uma das melhores produções da Netflix.
Diferente dos outros textos, não vou nem tentar fazer uma sinopse de Dark, porque simplesmente não dá rs. Depois das revelações da primeira temporada, com a confusão armada pelo túnel de viagem no tempo da cidade, agora todos os conceitos são aprofundados e começamos a entender as motivações de personagens misteriosos. Dark não é uma série fácil e qualquer distração respondendo uma mensagem pode comprometer muito da sua compreensão da série. Na segunda temporada eles mantem o ritmo frenético da história, não se demorando em recapitulações e nem em explicações do que está ocorrendo – por isso, se assim como eu, você não se lembra com detalhes da primeira temporada, recomendo ir atrás de uns vídeos recap, pois será necessário.
Jonas Jovem (Louis Hofmann) continua sendo o nosso principal guia dentro do universo de Dark, e vamos construindo a história por meio das suas descobertas e vivencias. Como vimos no final da primeira temporada, Jonas Jovem foi transportado para o futuro, e é lá que nossa jornada começa. Não entendemos muito daquela realidade, mas logo no início somos introduzidos a ideia de Apocalipse – que permeia todas as épocas tratadas na série. O apocalipse é o grande acontecimento que rege as decisões daqueles que viajam no tempo: Noah (Mark Waschke); Jonas Jovem; Jonas Adulto (Andreas Pietschmann) e; Claudia Velha (Gwendolyn Göbel). Apesar de Jonas Jovem ser o nosso guia, muito descobrimos por meio dos outros personagens, e ficamos numa posição particular de montadores de quebra cabeça, tentando conectar os pontos.
A série é dividida em três ciclos, porém, se achávamos que esses eram apenas os anos de 1953. 1986, 2019 estávamos errados. Agora somos introduzidos a dois novos tempos, um mais no passado e outro mais para o futuro, e os ciclos não são os anos, mas os acontecimentos relacionados ao Apocalipse, como vai nos sendo revelado ao decorrer da série. A história de Dark e um looping no tempo, onde o passado e o futuro se relacionam e criam paradoxos temporais, de modo que os ciclos se repetem ao infinito – e os personagens querem parar essa repetição e se libertarem dessa loucura toda. O desafio é encontrar onde tudo isso começou, ou termina, pois, como num ciclo, não tem um ponto inicial ou final. Nessa temporada, tudo fica mais claro, ao mesmo tempo que as relações e os acontecimentos conseguem ficar ainda mais complexos.
A história não é nada menos do que fascinante, e a série aprendeu com erros da primeira temporada e se corrigiu de forma brilhante. Uma das minhas maiores dificuldades com a história era entender quem era quem, parentesco, rosto e nomes (pois, no primeiro contato, os atores se parecem muito e tem nomes estranhos) – e eles conseguiram corrigir isso. Nessa temporada somos constantemente apresentados às árvores genealógicas das famílias, ajudando muito o expectador a acompanhar e fazer conexões, e os personagens conseguem, também, passar muito nos diálogos e fotografias, de forma incrivelmente natural. Além disso, a edição e a montagem são umas mães, e deixam sutilmente implícito quem é quem, principalmente quando o mesmo personagem é sua versão jovem e adulta – conseguimos entender muito melhor sem o roteiro se tornar expositivo.
A história deu ainda um upgrade de complexidade quando saiu do âmbito exclusivo de ficção cientifica e adquiriu um viés filosófico/religioso, principalmente com o novo personagem, Adam. De forma não tão sutil, o roteiro traça paralelos religiosos com a bíblia, e nomes como Noah, Jonas, Martha e o próprio Adam começam a ter um significado poderoso – e, não esqueçamos do apocalipse e da vontade de construírem um novo mundo. A série traz muito discussões pesadas sobre o tempo e sobre Deus, que, para eles, é a mesma coisa, ou seja, Deus é, na realidade, o próprio tempo.
Além dos nomes, todos os detalhes presentes nas misancenes de Dark fazem uma diferença absurda na vasta compreensão da história como um todo. A série exige não só uma atenção no que está acontecendo naquele momento, mas um olhar muito observador para o expectador fazer conexões com o macro. Em momento algum a série subestima a inteligência de quem a assiste, pelo contrário, ela é exigente. E, apesar da sequência incansável de plot twists na qual somos arremessados, todos são incrivelmente bem construídos – estavam lá o tempo todo, só a gente não viu. Dark tem um fio condutor muito forte, não deixa pontas soltas, deixa perguntas propositalmente não respondidas, pois ainda não é tempo de nós sabermos as respostas. Somos feitos de bobo, mas é quase por ingenuidade nossa – outro tema da série.
Quando olhamos as duas temporadas em retrospecto percebemos muitas dicas que nos foram dadas e, diálogos que, num primeiro momento, pareciam meio avulsos ganharem importância e conteúdo extraordinários. A série brinca muito com o conceito de vilão – não conseguimos definir quem é bom e quem é mal nessa confusão toda. Existe uma polaridade entre Adam e Cláudia Velha, mas somos expostos a acontecimentos que nos deixam muito divididos em dizer quem tem razão, os dois são igualmente ruins, práticos, e estão certos no geral. O conceito de bem e mal também não existe, e está atrelado a nossos sentimentos, desejos, assim como a nossa liberdade, o livre arbítrio e, sim, ela também é sobre isso.
A série usa, sabiamente, do artifício de criar cicatrizes físicas e características nos personagens para que nós possamos identificar quem é do passado, do futuro e quem é quem quando se troca de ator – é muito mais rápido tecer as conexões e conseguir acompanhar a jornada de cada um, saber em que ponto ele está. A direção e fotografia são espetaculares, a série tem uma paleta sóbria, com baixíssima saturação e tons frios, criando uma atmosfera sombria, pesada e apática – que é, em certa perspectiva a personalidade de Adam, grande mente por trás dessa loucura. A sintonia entre a direção de arte e o roteiro é impecável, e conseguem criar uma identidade que harmoniza muito bem com a história e com a cultura alemã, que também se faz presente, principalmente por meio de cientistas e pensadores, como Nietzsche . Existe um paralelismo com o muro de Berlin e aspecto da história deles , é excelente.
Uma série original, extremamente bem-feita cujo roteiro é minuciosamente trabalhado, definindo muito bem suas regras, sua base e sabendo exatamente onde quer chegar, mesmo que o público ainda tenha uma vaga ideia. A medida que nos revela informações importantes, deixa outras perguntas sem respostas. A série evolui demais a cada episódio, que apesar de 1 hora, passa num piscar de olhos. Ela sabe entregar e esconder informações do público com maestria, e deixou várias coisas em aberto para o terceiro ciclo e, ao que tudo indica, o ciclo final. A construção de personagens é odiosamente boa, e eles são moldados de acordo com as consequências de suas decisões. Ah, e a abertura além de linda e com uma música ótima e vibes, ela dá muita dica da história, tudo se conecta, e funciona como um apanhado geral, mostrando coisas importantes e links para ficarmos atentos.
Dark é uma mistura de Donnie Darko, A Chegada, Mãe!, e uma pitadinha de Stranger Things. De longe, a influência de Donnie Darko é imensa, desde o conceito de looping e viagem no tempo, até a existência de um livro com as informações sobre tudo, que define papéis nesse processo e tal. Também temos um livro de “spoilers”, carregado por Noah e que tem muito embasamento no caderninho de River Song, de Doctor Who. Como vocês podem perceber, só tem minhas coisas favoritas, seria impossível eu não amar essa série, e, se você curte essa pegada é inevitável, também, não sei apaixonar. E, claro, em tempo de apocalispe, não tem como deixar de citar Good Omens, e minha teoria de que Adam é o anticristo, ou tem um papel paralelo ao dele – pois é falado que existe essa guerra entre a Luz e a Sombra, e o cara quer destruir o mundo, então haha.
Eu havia me esquecido, no meio de tantas séries, o quanto Dark é bom. Já uma das melhores séries não apenas da Netflix, como da atualidade, com um trabalho impecável, difícil e super original. Uma história extremamente bem contada, inteligente e que, com certeza, já está inteiramente desenhada na cabeça dos criadores, que sabem com exatidão onde querem chegar – assim que tem que ser. De longe, uma das melhores narrativas de viagem no tempo, coesa, bem definida e promissora. Ansiosíssima para a próxima temporada, já confirmada e que, ao que tudo indica, pode ser a última – e, provavelmente, assistirei tudo de novo até lá. Em alemão, com rostos desconhecidos, uma cultura fora do habitual e uma narrativa e estilo que pouco estamos acostumados, Dark é excelente e merece o mundo!
Uma resposta para “Dark 2 temporada – a viagem no tempo era apenas o começo (se é que isso existe)”
[…] Dentro do vasto catálogo encontramos produções originais de todos os cantos do planeta, como Dark da Alemanha, La Casa de Papel da Espanha, Doramas da Coreia do Sul e, agora, a produção da […]
CurtirCurtir