O filme tinha tudo para ser apenas um material de DVD sobre o show, mas Beyoncé não fala a língua do convencional e do medíocre. A artista não chegou a esse patamar fazendo mais do mesmo, e é isso que vamos acompanhar na maior performance já realizada no icônico festival americano Coachella.
O grande diferencial da Beyoncé está na sua autenticidade e na sua compreensão holística de toda a indústria do entretenimento. Desde o começo de sua carreira solo é possível perceber não só uma preocupação com a música, mas com todo o conceito – e claro que praticamente todos os álbuns de música tem um conceito e uma proposta, mas o trabalho dela é diferente. Ao decorrer de cada lançamento a vemos ampliar a sua compreensão sobre si mesma, seu lugar, sua visão política e usar seu trabalho para passar esse sentimento. Ela traz para a indústria da música uma obra que é pessoal, política e inovadora toda vez que resolver fazer algo – vamos analisar, então, o show.
Homecoming é o conceito que Beyoncé queria trazer para o evento, não apenas um tema. A proposta foi de ser uma reunião do pessoal da faculdade, mas não de qualquer instituição, e sim das universidades historicamente negras. Essas instituições surgiram na época da segregação racial americana com o objetivo de oferecer curso superior a comunidade afro-americana que, na época, era explicitamente vetada de faculdades predominantemente brancas. A grande maioria dessas universidades ainda existe e tem um papel fundamental no ativismo negro, inclusive muitos ícones da comunidade as frequentaram – e frases marcantes dessas pessoas são inseridas durante o show. Percebe como o tema é muito mais político e ativista do que sugere numa primeira impressão?
Nos pequenos momentos documentais da preparação para o festival, a vemos preocupada com cada detalhe, não apenas técnico, mas com o storytelling de toda aquela performance. O primeiro ponto são os dançarinos e a banda – majoritariamente negra, se não todos integrantes. A ideia era exaltar a suas origens, a sua comunidade e a história dos afro-americanos no ensino, e ninguém poderia contar essa história além do pessoal selecionado. É lindo ver a forma como Beyoncé compreende a arte, a forma de expressão de cada modalidade e quer trazer isso para os palcos. A fanfarra (que, aqui no Brasil, chamamos de “bateria da faculdade”) é levada a qualidade máxima, e vemos um show acontecer da maneira mais impressionante e improvável. É a exaltação da cultura americana com o elemento da negritude presente!
E para colocar mais de 200 pessoas no palco dá um trabalhinho, não é mesmo? É surreal o número de pessoas envolvidas naquele show, e como todos estavam perfeitos, sincronizados e com proposito, cada um deles era parte essencial da história que estava ali sendo contado. É o tipo de coisa que pensamos “só a Beyoncé mesmo para desafiar a física e fazer uma coisa dessas”. E, é nos trechos do documentário que percebemos que não é magia, mas sim um esforço monstruoso que ela colocar em tudo que faz. Ela estudou o tema, ela sabia exatamente o que queria, e aceitou cada desafio para chegar no resultado almejado – e tal perfeccionismo e grandiosidade não vem sem cobrança, principalmente dela mesma, num nível que cheguei a me preocupar se aquilo era saudável para ela. O que mais me admirou no preparo da performance headline do festival foi o não aceitar limites.
Beyoncé imaginou o espetáculo que queria e o executou, simples assim. Ninguém estava ali para dizer que aquilo seria impossível, falando no pé do ouvido para ela mudar de ideia porque iria dar muito trabalho, ou inventando empecilhos do tipo “mas ninguém nunca fez isso”. Não fez mesmo, e isso era combustível para ela. Essa força e determinação são admiráveis. Não era um show de turnê, dela próprio, era só um festival – e nem por isso, em um segundo seque, ela deixou de dar o seu máximo, o seu melhor, se superar para entregar não apenas uma grande apresentação, mas uma experiência com conteúdo que mudaria o modo de enxergar toda a indústria.
E é esse conteúdo que a faz ser a maior artista da atualidade. O conteúdo está nas letras que abraçam quem ela é: feminista, negra, mãe, romântica, forte. Ele está no desenvolvimento de cada apresentação com um storytelling bem construído, na escolha das pessoas com quem vai trabalhar, nas composições e desenvolvimento de cada álbum, nas roupas utilizadas, em cada detalhe vemos o dedo dela e um motivo para ele estar ali e ser daquele jeito. A autenticidade de Queen Bee exala em cada trabalho, e conseguimos, por meio deles, enxergar a sua alma, sua essência. O modo como ela abraça a cultura afro-americana, se engaja na causa, levanta bandeiras importantes, é vulnerável e forte ao mesmo tempo envolve e hipnotiza a audiência – a faz incrivelmente humana.
Somado a todo esse trabalho intelectual e conceitual, temos também seu desdobramento no âmbito estético do filme, que é fascinante. O jeito da filmagem é todo vintage e remete a registros de amigos e parentes num momento de descontração e íntimo, a câmera na mão, a espontaneidade e como isso conecta perfeitamente a proposta de ser um reencontro de velhos colegas é sensacional. As sobreposições das duas apresentações têm um timing perfeito, e é chocante perceber o quão sincronizado foram, a exatidão com que acontece cada performance, parecendo uma só.
Homecoming é mais do que um show, é uma aula sobre autenticidade, dedicação e produção de conteúdo. O que Queen Bee faz no palco não é desse mundo e mostra porque ela carrega esse título (e o cenário musical nas costas). Vivendo digitalmente essa experiência eu consegui sentir o poder e a importância que essa mulher tem para a indústria, a representatividade no olhar de cada fã apaixonada e encantada. Ali eu percebi o ícone que ela é para o feminismo negro (e aquela banda maravilhosa de garotas?), e o esforço sobre humano que ela coloca em tudo que faz para passar sua mensagem ativista. Foi assistindo a esse filme que compreendi o que Beyoncé representa e a entidade que é essa deusa.
Beychella elevou o patamar do festival, levantou bandeiras e fez história – nossa rainha foi a primeira mulher negra a ser headline do evento. Realmente, o dia de Beyoncé tem 24 horas como o nosso, mas o que ela faz com essas horas é pura arte, e mostra que nada vem fácil. Os momentos de fragilidade nos bastidores do show mostram que ela é humana, tem suas fragilidades e isso a aproxima do público e a deixam ainda mais bonita! Homecoming é mais que apenas um show para se colocar de som ambiente, é uma experiência que precisa ser vivida, internalizada! Beyoncé é mais que uma cantora, é diretora, produtora e soberana do universo. Zero defeitos … talvez só um, não ter cantado Survivor e/ou Ring the Alarm hehe.
PS: Solange você é absolutamente TUDO – vão conhecer o trabalho dela.
PS 2: Os outros trabalhos da Beyoncé seguem esse modelo de conteúdo também, e são igualmente estupendos.
Uma resposta para “Homecoming e o porquê Beyoncé é a maior artista viva!”
Amor, porque com um documentário de apenas 2 horas ela fez você mudar de opinião de uma vida inteira!
Rainha do universo é o título delaaa!
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